“A falta de apoio às advogadas que são mães ou adoecem ainda é um problema a resolver”

Marina Silva é advogada e, embora agora dirija o seu próprio escritório de advogados,também já trabalhou em sociedade de advogados. A sua experiência profissional diz-lhe que, para as mulheres, a conciliação da vida profissional com a vida familiar, com tudo o que ela inclui, é um grande desafio e assume que é, ainda, necessário, uma maior progressão no que respeita aos direitos das mulheres advogadas, nomeadamente no que respeita aos apoios atribuídos em casos de doença ou maternidade.

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Como caracteriza atualmente a área de trabalho do Direito, no que concerne ao equilíbrio entre homens e mulheres na profissão?

Atualmente, as mulheres representam a maioria dos profissionais em exercício na área da Advocacia, o que reflete uma mudança significativa em relação ao passado. No entanto, apesar de as mulheres serem a maioria dos advogados no país, ainda existem desafios em termos de equilíbrio de género e igualdade de oportunidades, nomeadamente, a desigualdade salarial, o acesso a cargos de liderança e o equilíbrio entre o trabalho e a família. Conciliar as exigências da Advocacia com as responsabilidades familiares é um verdadeiro desafio para muitas advogadas, devido às longas horas de trabalho e à pressão constante que a profissão exige.

Por que lhe parece que ainda existe um desequilíbrio entre o valor auferido por um homem e por uma mulher que desempenhem as mesmas funções e tenham as mesmas credenciais profissionais?

Existem várias razões que contribuem para esta disparidade, incluindo fatores sociais, económicos, culturais e organizacionais. A discriminação de género, consciente ou inconsciente, é uma das causas fundamentais da
disparidade salarial entre homens e mulheres. Práticas discriminatórias, como pagar salários mais baixos às mulheres do que aos homens pelo mesmo trabalho ou subestimar as habilidades e competências das mulheres,
contribuem para a perpetuação da desigualdade salarial. Além disso, as mulheres também têm maior probabilidade de interromper as suas carreiras para cuidar da família, o que acaba por afetar a progressão salarial ao longo do tempo. Por sua vez, a falta de transparência salarial dentro das organizações também contribui para a disparidade salarial de género. Quando os critérios de remuneração não são claros e objetivos, há um maior risco de viés e discriminação na determinação dos salários. E, por fim, a cultura organizacional em muitas sociedades ou escritórios de advogados pode ser orientada por estereótipos de género e preconceitos inconscientes, o que pode influenciar as decisões relacionadas à remuneração e promoção.

Que evolução teve esta área, no que respeita à forma como as advogadas vêem os seus direitos garantidos, nomeadamente no que respeita a doenças e gravidez / licença de maternidade?

Em Portugal, as advogadas não têm um regime específico de licença de maternidade ou de baixa médica, uma vez que não descontam para a Segurança Social e, como tal, não têm acesso aos subsídios deste regime. Em vez disso, são abrangidas pelo regime contributivo da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), que prevê uma proteção social específica para os profissionais do setor, mas que não inclui a licença de maternidade ou a baixa médica. É certo que existem benefícios concedidos pela CPAS, designadamente os
benefícios de nascimento, de maternidade, de internamento hospitalar e de apoio à recuperação, mas são exíguos para quem está a passar uma fase de doença – pior se torna num caso de doença grave e incapacitante – ou no caso da maternidade. Ambas as situações exigem que o foco da advogada esteja centrado exclusivamente na luta contra a doença ou na vivência única do nascimento do filho, mas é impossível fazê-lo face à inexistência de um apoio sólido. É certo que há cada vez mais uma consciencialização e, consequentemente, discussão sobre estes temas, mas a implementação de medidas em concreto é uma
necessidade.

Quais os maiores desafios para as mulheres na área do Direito, a seu ver?

Considero três os grandes desafios: 1) alcançar a igualdade salarial entre advogados e advogadas face às mesmas funções e qualificações profissionais; 2) equilíbrio entre trabalho e família; 3) lidar com a evolução legislativa em resposta às mudanças sociais e tecnológicas, bem como manter-se atualizada com as tendências jurídicas emergentes, questões de privacidade e segurança de dados e adaptar-se a novas formas de trabalho remoto e tecnologia jurídica.