Pela minha experiência e aprendizado, pela minha visão particular do Universo e dos seres que nele habitam,
concluo com alguma facilidade, que o mundo das pessoas é mesmo que o mundo dos números. A regra não quer
comportar as exceções e para um global organizacional, os fins justificam os meios.
Fazemos discursos exaltando a virtude e as verdades tão relativas quanto as consciências que delas emanam, no seio da evolução da diversidade de culturas existentes e dos momentos que atravessamos, nos quais não só abdicamos como não questionamos os códigos identitários e coletivos para a justificação da prática coletiva, ainda que esta corra contra critérios básicos da pressuposta admissibilidade. A ética e a moral, não passa, ou não tem passado, pelo crivo do bom senso. O bem, o belo e o justo muito menos. Não é necessário estar de acordo
com princípios básicos, desde que sejam necessários e úteis (curiosamente à organização, não ao Homem).
Impérios nascem e impérios caem. Fazemos discursos sobre a paz, preparando-nos para a guerra. Existem empresas designadas universais, mas não Universais. Não são boas e muito menos justas. São necessárias e úteis. Nasceram assim. Delas a Humanidade depende. Impérios nascem e impérios se desagregam. Doações para manter o poder são efémeras. As consciências, na sua estrutura mais íntima, não as desejam. Querem
liberdade e conhecimento. A dependência aterroriza-as. Faz o Homem discursos sobre a paz, quando, na verdade se prepara para fossos e trincheiras. Compramos armas para autodefesa. Matamos o outro, no suicídio de
nós mesmos. Condenamos o Mundo e o que acontece nele, de olho aberto, mas não perdemos uma única oportunidade para ter vantagem sobre alguns e sobre todos. O Iraque e o Tibete não é lá longe. A Europa também não.
Oramos a Deus para vencer guerras. Estamos ou somos insanos? Provavelmente ambos. Mas não podemos ignorar que não temos Europa fora do Mundo e não podemos conjeturar a Construção Europeia fora do seu circunstancialismo mundial. A integração é um processo de construção e de cooperação no qual o mérito
da integração deriva da resposta para a guerra, visando evitar o despoletar de novas guerras, dentro ou fora do espaço europeu. Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as nações europeias debateram-se com a desgraça causada pelo conflito. Refletiram que a aliança dos interesses económicos, contribuiria para melhorar o nível de vida e contribuiria para uma Europa mais unida. A Europa desenvolveu-se, ao longo da maior parte da sua história, dividida pelos chamados Estado-Nação. Daí até às duas grandes guerras não passou muito tempo para que fosse percetível que o velho continente perdera o papel do centro do mundo. Após a segunda guerra mundial tínhamos uma Europa completamente devastada e a necessidade de pensar numa forma de unir os grandes estados europeus, tendo sobretudo em vista a prevenção de futuros conflitos. Na essência, a U.E. desenvolve
uma política externa comum visando levar os valores europeus ao mundo e o seu sucesso depende da capacidade para tomar e aplicar decisões eficazes.
Temos o catálogo de princípios e direitos fundamentais, que a nível europeu encontra-se principalmente na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Lá por existir esta carta, não significa que ela reúna a totalidade dos princípios e direitos pelos quais se rege a U.E., temos ainda o próprio tratado da U.E., que também discrimina alguns valores fundamentais: O direito à cidadania europeia e o princípio da liberdade de circulação entre os Estados-membros. Infelizmente estes princípios encontram-se particularmente ameaçados hoje em dia, ainda que façam parte da constituição da U.E. e por isso, comuns a todos os Estados-membros. “A União
Europeia assenta nos valores indivisíveis e universais da dignidade humana, liberdade, igualdade e solidariedade” (preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da U.E.), valores esses que violamos sistematicamente.
Logo o artigo 1º da Carta dos Direitos Fundamentais da U.E. afirma: “A dignidade do ser humano é inviolável…”. Nos últimos anos, tem havido uma escalada de retrocesso intolerável para as consciências europeias, contradizendo os princípios fundamentais da U.E. Somos confrontados progressivamente, com sistemas perversos, onde os emigrantes (no regime de cama-quente) pagam por cama ou vaga. Dormem em beliches espalhados por todos os cantos ocupáveis de uma assoalhada precária, em bairros que nunca deviam ter existido. Deixamos pessoas afogarem-se às portas da Europa and so on. Não podemos deixar de ser uma sociedade em crise, mas somos europeus. Temos valores em cartas e direitos humanos suspensos já há algum tempo. O abuso, a arbitrariedade de tratamento e a violência tornaram-se elementos presentes no processo de gestão europeia.
Para lá da pretensa ausência de qualidade dos líderes europeus, não pode haver quem diga que a Europa não se afastou do seu projeto de paz, determinando o seu próprio declínio, instrumentalizando-se, dissipando-se perifericamente e tornando-se cada vez mais pobre. Viveu o seu mito do império, desejado e não alcançado, numa realidade apocalíptica fantasiosa. Nem quem não pense que somos indolentes na ação política comum por todos aqueles que se opõem às violações dos direitos fundamentais, à tortura, aos abusos de pessoas indefesas. Culpados apenas, de tentarem procurar longe dos seus países de origem, uma vida digna e alguma esperança no futuro.
Se a Europa precisa de resgate não temos dúvidas. Um NextGenerationEU, mais alargado que um plano de recuperação pós-pandémico, em todas as vertentes. Mais que uma oportunidade de transformar as nossas
economias, criar oportunidades e empregos, transformar consciências. Uma Europa justa, mais digna e mais humana para que não nos reste in fine, a nostalgia apenas de discursos alicerçados no património cultural.
carmts@hotmail.com