Gorete Pimentel chegou a Portugal com quatro anos, vinda de Angola. O dinheiro não abundava e a família teve dificuldades para colocar os filhos a estudar. Gorete, no entanto, não ia desistir: “Eu sempre entendi, desde muito nova, que devia ter um curso superior. Queria ser independente a nível económico. Deixei a escola quando tinha 12 anos, após finalizar o segundo ano do Ciclo via telescola. A partir daí, comecei a fazer pressão com os meus pais para voltar a estudar. Eu disse inclusivamente que ia trabalhar de dia e estudar à noite, só que carecia da autorização deles, porque só podíamos estudar à noite a partir dos 14 anos. Acabei por ter de esperar que a minha irmã – mais nova dois anos do que eu – completasse os 14 anos para poder voltar à escola. Regressei aos estudos com 16 anos. Entre os 12 e os 16 anos trabalhei na feira e a partir dos 16 anos trabalhava como costureira numa fábrica de confeções, enquanto estudava à noite”.
No momento de escolher um curso universitário, optou pelo que mais rapidamente a levaria para o mercado de trabalho: “Escolhi Enfermagem não por nenhuma ideia romântica, mas porque era um curso de três anos que me ia permitir começar a trabalhar rapidamente”. A estudar de dia na Escola de Enfermagem de Braga
– Calouste Gulbenkian -, Gorete Pimentel tinha de trabalhar à noite e nas suas horas livres para poder continuar a custear a faculdade.
“Sou uma pessoa completamente
diferente do que era há
cinco anos. Tenho mais coragem
de tomar decisões, mesmo
controversas”.
Concluído o curso, em 1997, começou a trabalhar, mas dois anos depois haveria de regressar aos bancos de escola, uma vez que o curso de Enfermagem passou de Bacharelato a Licenciatura e foi necessário fazer mais um ano de academia para ter acesso à licenciatura. Nesta altura Gorete já era casada e mãe de um filho, o que não
a fez abrandar a sua sede de saber e independência: “Entre 2007 e 2009, tinha dois filhos pequenos e fiz a especialidade em saúde materna e obstetrícia”. A razão para a escolha é simples: “Quando eu fiz o curso de base, foi o estágio que eu mais gostei. Acredito que, na altura da maternidade, as mulheres estão muito fragilizadas e não têm muito apoio. O facto de a minha mãe ter tido cinco filhos e de falar muito dos partos e do que viveu naqueles momentos também ajudou. Eu própria tive três filhos, e acreditava que nesta área eu ia fazer a diferença”.
O sindicalismo e a fundação do SITEU
Gorete Pimentel considera-se “sindicalista desde que nasceu”. A reivindicação dos direitos, a política e o sindicalismo sempre se cruzaram no seu caminho, mas a atual presidente do SITEU sempre fez questão de não aceitar nenhum convite, sobretudo por causa do (na altura) marido: “O meu ex-marido era muito crítico em relação a eu desenvolver qualquer outra atividade que não fosse o trabalho como enfermeira e ser dona de casa. Disse muitas vezes que não quando me convidaram para algo relacionado com o sindicalismo. Até, em 2015, ser convidada para fazer parte de uma lista para a Ordem dos Enfermeiros. Éramos a lista I e eu era candidata a presidente do colégio da especialidade. Nesta altura decidi abrir a porta que se estava sempre a atravessar no meu caminho”.
Foi o início de uma jornada que não mais parou: “Não ganhei, mas a seguir participei no movimento EESMO, porque os enfermeiros, em 2009, tinham perdido as categorias, precisamente na altura em que houve a revisão das carreiras. Nós trabalhávamos como especialistas, mas não tínhamos a categoria, nem direito a progressão na carreira, e nem recebíamos como tal”. Gorete Pimentel liderou este movimento no hospital de Braga: “Em reunião com a Administração da PPP negociei a valorização das minhas colegas EESMO que eram contratadas pela PPP. Esta foi a minha primeira prova de fogo”.
“É fundamental termos as instituições
a conversar entre si fora do
campo cinzento da negociação ou
da discussão”.
Em 2017, surgiu um sindicato novo e Gorete Pimentel foi convidada para ser presidente da Regional Norte, embora em 2019 tenha abandonado o cargo, pois a relação com a direção não era fácil. Com ela saiu toda a sua equipa: “Propus-lhes fazer um sindicato novo e, a 25 de fevereiro de 2020, estava oficialmente criado o SITEU – Sindicato Independente de Todos os Enfermeiros Unidos do Continente e Ilhas”.
Em 2021, Gorete Pimentel foi ainda candidata à Câmara Municipal de Vila Verde, pelo Bloco de Esquerda, partido do qual era dirigente distrital.
Uma forma diferente de fazer sindicalismo
O SITEU “é uma forma diferente de fazer sindicalismo”. Para Gorete Pimentel, o que faz a diferença na forma como este sindicato trabalha é a maneira como as instituições convivem, algo em que os outros sindicatos não acreditam: “É fundamental termos as instituições a conversar entre si fora do campo cinzento da negociação ou da discussão. As instituições devem beneficiar de uma articulação harmoniosa, de modo a defendermos a saúde e os direitos dos trabalhadores da saúde – os enfermeiros – que são o pilar de sustentação e sustentabilidade do SNS. Quando vamos para uma reunião com os Conselhos de Administração, não vamos com uma postura de ‘quero, posso e mando’. Pelo contrário, vamos sempre com noção de que temos direitos, mas também temos deveres e não passamos para os nossos associados nada que não tenha sido discutido em reunião. Nunca dizemos que o Conselho de Administração ‘ficou de’ quando não ficou. O contrário também é verdade”. Ao cabo de cinco anos, o
SITEU construiu uma imagem de confiança.
Mas a presidente deste sindicato assegura que ainda há muito para fazer: “A nível da valorização da profissão, foi extremamente importante para todos os enfermeiros termos surgido no sindicalismo, porque temos uma forma de trabalhar que nos caracteriza: atendimento personalizado, gabinetes jurídicos de referência e resposta à distância de um telefonema. Em relação ao percurso pessoal, eu sou uma pessoa completamente diferente do que era há cinco anos. Tenho mais coragem de tomar decisões, mesmo controversas, mesmo que isso culmine num caminho mais solitário, como é o da vida de sindicalista”.
“Quando vamos para uma reunião
com os conselhos de administração,
[…] vamos sempre com noção de que
temos direitos, mas também
temos deveres”.
Enquanto mensagem final, Gorete Pimentel deixa um conselho às mulheres: “Nós, mulheres, não podemos desistir. Não devemos ouvir quando nos dizem que não somos capazes, ou que não temos perfil, ou que não devemos fazer. Porque quando queremos e sabemos o que queremos, conseguimos!”.