Como vê o plano de investimentos ferroviários em curso no que toca à introdução de novas tecnologias na Rede Ferroviária Nacional (RFN)?
Estamos na presença de um plano ambicioso tanto no âmbito como no tempo para a sua realização e é precisamente no tempo que vemos o maior desafio face ao volume de trabalho a realizar e às datas a cumprir.
Aquando do início da modernização da Rede Ferroviária Nacional com a introdução da Sinalização Eletrónica, a partir do fim da década de 80 e até cerca de 2014, foram treinados e mobilizados recursos e criadas novas competências que vieram posteriormente a ser perdidas com o abrandamento resultante da crise económica.
Com o relançamento dos investimentos ferroviários houve que acordar essa máquina adormecida e delapidada e, a muito custo, reconstruir as competências e os recursos qualificados necessários para concretizar o enorme volume de trabalho a realizar. Adicionalmente e à semelhança do que se verificou ao longo da primeira fase de
modernização que acabei de referir, entendemos aconselhável que para além das relações contratuais, se estabeleçam entre a IP e os fornecedores de tecnologia, fortes parcerias, que permitam de modo transparente alinhar esforços e entendimentos. Só assim, poderemos ultrapassar as limitações e dificuldades que os dois lados enfrentam para a execução deste ambicioso plano. No que toca à introdução de novas tecnologias, o Grupo Thales através da sua unidade local, recentemente renomeada GTSPT – Ground Transportation Systems Portugal, foi pioneiro na concretização de um novo salto tecnológico na Rede Ferroviária Nacional através da introdução de uma nova tecnologia de controlo de circulação ferroviária, designada ERTMS/ETCS L2. Esta norma europeia, mas já de utilização global, permite assegurar a interoperabilidade da exploração ferroviária ao longo de todos os
países que adotem esta tecnologia. Do ponto de vista tecnológico, a introdução do ERTMS/ETCS coloca a Rede Ferroviária Nacional num nível avançado de desenvolvimento tecnológico face às restantes redes europeias e permitirá à Thales em Portugal alargar o seu know-how residente e com isso preparar-se para capitalizar este conhecimento em projetos internacionais.
Com que expectativa olha a Thales para a Alta Velocidade?
Esperamos que desta vez aconteça. Acredito que sim.
Foi um erro ter sido interrompida a primeira tentativa, pois, apesar da situação económica do país na altura, um projeto com as características do Alta Velocidade seria seguramente um catalisador das atividades económicas, contribuindo para minimizar os efeitos da crise e contribuir para uma mais rápida recuperação económica. Mas felizmente, estamos de novo com este projeto em cima da mesa. Colocamos bastante expectativa e olhamos
para esse projeto como a extensão dos investimentos em curso, porque muito inteligentemente, a linha de Alta Velocidade se interligará com a Rede Convencional no troço Lisboa – Porto. Esta integração permitirá potenciar ambas as redes ao nível operacional bem como, em fase de execução, a criação de sinergias com os esforços de
modernização da Rede Convencional em curso. A articulação entre estas Redes permitirá integrar os principais centros urbanos da Linha do Norte na rede de Alta Velocidade, encurtar os tempos de trajeto entre estes centros e todos os outros no restante território nacional, e consequentemente melhorar as acessibilidades, o conforto, a
regularidade e a pontualidade dos transportes. Teremos uma rede ferroviária mais eficaz, com maior impacto na descentralização do território, descongestionando o tráfego nos centros urbanos, potenciando o já comum
teletrabalho, capturando quota modal a outros meios de transporte mais poluentes, melhorando os aspetos ambientais, em suma, permitindo uma melhor qualidade de vida. Com este enquadramento não poderemos
deixar de nos empenhar em estar presentes pelo que estamos a orientar esforços para antecipar este projeto e assegurar, de novo, uma forte contribuição local.
“Foi um erro ter sido interrompida a primeira tentativa [de Alta Velocidade],
pois, apesar da situação económica do país na altura,
um projeto com as características do Alta Velocidade
seria seguramente um catalisador das atividades económicas”
Sendo o mercado ferroviário português, comparativamente com uma grande parte de países, pequeno, que futuro vê para as empresas ferroviárias portuguesas uma vez que esse plano se conclua?
Felizmente que a atual Administração da IP e a Tutela têm um Plano Ferroviário com visibilidade até 2050 (considerando todos os imponderáveis que um plano a esta distância apresenta…), o que nos dá, industriais do setor, alguma visibilidade quanto aos investimentos e estratégias empresariais necessárias para o acompanhar.
Estamos confiantes de que este Plano Ferroviário Nacional se manterá independentemente dos governos que venham a estar em funções até 2050. Dadas as suas características e objetivos de desenvolvimento, este plano seguramente congregará ao longo dos anos uma concordância transversal em todo o espectro político. No entanto, apesar de estarmos de acordo com a afirmação de que Portugal é um mercado ferroviário pequeno, acreditamos que o atual plano de desenvolvimento ferroviário poderá ser o palco onde se estabelecem fortes parcerias entre a IP e a Indústria Nacional Ferroviária. Parcerias estas, orientadas para a criação local de oportunidades de inovação e desenvolvimento de novas tecnologias e para a criação de fatores diferenciadores na Rede Ferroviária Nacional potenciando a exportação de know-how português. Nesse sentido temos vindo desde há já muito tempo, a promover uma abordagem integral de carácter nacional aos projetos ferroviários
internacionais pela criação de um Cluster Ferroviário em torno do qual se organizem, de modo coerente, as atividades de exportação sob bandeira portuguesa. Neste enquadramento acreditamos que a Plataforma Ferroviária Portuguesa pode ter um papel federativo de toda a Indústria Ferroviária Portuguesa, alicerçando-se numa estratégia sólida e de grupo para a exportação, com o apoio claro do Governo Português. A Thales em Portugal tem tirado partido das competências adquiridas na primeira fase da modernização ferroviária (1990 – 2010) tendo desde 2000 iniciado as suas atividades de exportação, o que lhe permitiu superar a crise económica portuguesa mantendo a sua capacidade e potencial de entregar projetos turn-key, hoje com referências em todos os continentes. Para estas atividades, a equipa portuguesa da Thales teve o suporte de um grupo com implantação internacional o que lhe deu um acesso mais facilitado a oportunidades no exterior. Significa isto que uma estratégia nacional e coordenada será fundamental.

Sabemos que o CCO de Lisboa foi uma obra icónica da Thales e um marco na rede ferroviária portuguesa. Que ensinamentos se tiram desse projeto para os investimentos futuros?
O CCO de Lisboa foi e é um marco a vários níveis, que importa repetir. Por um lado, pelo salto tecnológico e operacional que representou na altura. Por outro, pela disrupção que trouxe consigo quanto ao modo de trabalhar, de desenvolver projetos e ainda quanto ao modo de operara rede. Com este projeto, seu modelo de trabalho e conceitos operacionais, a Rede Ferroviária Nacional ascendeu, nessa altura, à vanguarda do setor
ferroviário mundial.
“A introdução do ERTMS/ETCS coloca a RFN num nível avançado de desenvolvimento
tecnológico face às restantes redes europeias”
Nesse projeto, conseguimos pela primeira vez estabelecer uma efetiva parceria, onde ambas as partes, IP e Thales, se constituíram numa só equipa e juntas conceberam e implementaram um conceito disruptivo. Houve convergência de ideias quanto aos objetivos, quanto ao modo de os atingir e quanto ao modo de ultrapassar as
dificuldades que transparentemente ambas as partes colocaram em cima da mesa. Este tipo de parcerias são o único meio de fazer algo para lá do trivial. Temos todas as ferramentas para o controlo de custos e prazos.
Temos todas as ferramentas para não mais haver soluções proprietárias que obrigam a prolongar “casamentos indesejados”. Assim, consideramos que o estabelecimento de programas de inovação e cocriação entre a IP e os vários players da indústria ferroviária é a única forma construtiva de assegurar o cumprimento dos planos de investimento que se avizinham introduzindo na RFN novos conceitos que resolvam problemas verdadeiros de modo inovador e mais eficiente que disponibilizem pontualidade, regularidade e conforto aos passageiros.
Como caracteriza o negócio ferroviário?
É um negócio do ponto de vista técnico muito aliciante e desafiador pela complexidade e multiplicidade das soluções a implementar. Não há dois projetos iguais. No entanto, a instabilidade dos investimentos dos últimos anos no mercado nacional, obrigaram a Thales em Portugal a balancear as suas atividades domésticas com as
atividades internacionais no sentido de manter localmente uma estrutura crítica que lhe permita sustentabilidade.
Ainda no mercado ferroviário nacional, temos também assistido a uma erosão nos preços praticados na contratação pública que condicionam as empresas na melhoria das suas condições de sustentabilidade, refletindo-se na capacidade de inovação, atração, retenção de recursos de elevadas qualificações. Só contrariando esta tendência, poderemos localmente endereçar projetos complexos de elevado valor acrescentado, catalisando as empresas para a vanguarda da tecnologia e para a exportação de soluções diferenciadas. Todos estes fatores associados a políticas ESG (Environment, Social and Governance) são condições essenciais para um melhor equilíbrio entre a vida profissional, a vida privada e a vida em sociedade.
Planeamento, trabalho em equipa, clareza e transparência de objetivos, aliados à exigência e a um nível de remuneração justo são os fatores sine qua non para que se consiga que 1+1 seja mais do que 2.