Ainda há algumas barreiras à evolução da carreira que diferem entre géneros. Por que motivo ainda têm as mulheres mais dificuldade em aceder a cargos de liderança, por exemplo, dentro das organizações?
Portugal é, e sempre foi, um país enraizado em tradições e ideologias, que conta com um histórico marcado por uma ideologia de género salazarista, em que o papel do homem e da mulher na sociedade eram definidos pelo seu género.
Tipicamente o homem era o “chefe de família” e a mulher a “dona de casa”. Apesar do caminho – bastante positivo! – que tem sido percorrido com vista à equiparação de géneros, a verdade é que, ainda assistimos, nos dias de hoje, à presença de resquícios do paradigma de uma ideologia de género, que se reflete na maior dificuldade de acesso a cargos de liderança e de evolução de carreira pelas mulheres. Muitas têm sido as
políticas e as alterações implementadas para combater a desigualdade que (ainda) se regista. Contudo, e apesar de esta desigualdade ser, não raras vezes, silenciosa e escamoteada, não deixa de entoar e fazer-se sentir, nomeadamente, por quem, sendo mulher, assiste às limitações que lhe são impostas.
Quanto peso ainda tem, para uma mulher as suas tarefas sociais e familiares?
Apesar de as tarefas e compromissos sociais e familiares exigirem um investimento pessoal enorme, e de nem sempre se revelarem de fácil compatibilização com a vida profissional, a verdade é que são necessidades inerentes ao ser humano e que assumem particular relevo na vida de uma mulher. Uma mulher quer – e pode!
– ser tudo. Quer ser mãe, esposa, amiga e… mulher. E todos estes “títulos” exigem muito de si, muita dedicação, organização e amor.
Isso influencia a própria, aquando da possibilidade de se candidatar a uma posição de maior responsabilidade dentro de uma empresa, por exemplo?
Tenho uma ânsia enorme de evoluir profissionalmente, de me tornar mais e melhor, todos os dias, e, por isso, nesta fase, tento que a influência seja mínima. Contudo, sei que influencia, de forma verdadeiramente
impactante, muitas colegas advogadas e reconheço que, em determinada fase da vida, nomeadamente, na maternidade, poder-me-á influenciar também.
Enquanto advogada, a progressão nesta área de atividade é já equilibrada e justa, a seu ver?
Apesar de ainda sentirmos o impacto da histórica ideologia de género que nos é característica, e de reconhecer que existe um caminho a ser trilhado, parece-me que a tendência é que efetivamente a progressão nesta área seja mais equilibrada e justa.
A parentalidade ainda não tem o mesmo impacto na vida profissional do homem e da mulher. A licença de parentalidade ainda não é utilizada pela maioria dos homens, embora o número de pedidos tenha vindo a aumentar. Se assim fosse, com um maior equilíbrio entre o pai e a mãe, estaria a mulher mais disponível para também poder continuar a dedicar-se à carreira?
Evidentemente que sim. Aliás, a legislação laboral tem desenvolvido esforços nesse sentido, tendo sido alvo de uma recente alteração, na sequência da Agenda do Trabalho Digno, aprovada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que representou uma reforma central das relações laborais, através de um conjunto de medidas que
assentaram em vários eixos, entre os quais se encontra uma melhor conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar. Estas medidas resultaram, por exemplo, no alargamento da licença parental exclusiva do pai, de 20 dias úteis para 28 dias de gozo obrigatório, com vista a potenciar um maior acompanhamento dos homens (pais) dos seus filhos e uma compatibilização mais equilibrada entre as tarefas do pai e da mãe, aliviando a carga e
responsabilidade que invariavelmente recai sobre a mulher, mãe.
Para quem entrou na Ordem há menos de uma década, aos olhos da Cláudia, como tem Portugal evoluído, a nível de Advocacia? Sente que esta geração trabalha num contexto mais favorável?
Sinto que esta geração trabalha num contexto mais flexível e tendencialmente menos estereotipado. Assistimos a uma flexibilização da profissão, bem como a uma crescente proximidade com o cliente, o que se revela
bastante positivo, principalmente numa perspetiva de agilização, celeridade e otimização de recursos.
Quais são os principais desafios de ser advogada em 2024? Com a sua experiência profissional, que análise faz à evolução da profissão?
Ser advogada em 2024 é extremamente exigente: implica não só lidar com os desafios inerentes à profissão e a cada processo em particular, mas também de captar clientes. O principal desafio é, sem dúvida, a captação de
clientes, que confrontados com uma advogada, mulher e jovem, apresentam alguma reticência em confiar no seu trabalho e mandatá-la para o tratamento dos temas que os preocupam. É preciso dar provas. Muitas. Contudo, denoto que, ultrapassada essa “barreira”, e demonstrada a competência e profissionalismo, a fidelização é a
consequência.
Que questões ainda lhe parece que Portugal tem para resolver, a nível de problemáticas graves, e das quais seria importante dar nota? O que ainda falta fazer – e que seria urgente – para que as mulheres vejam os seus direitos mais equiparados aos dos seus colegas homens?
A principal problemática de Portugal é, sem dúvida, a mentalidade, não só na Advocacia, mas também nas demais áreas de atividade. Enquanto a mulher continuar a ser objeto de avaliação pelo homem, seja porque é
“demasiado nova”, ou “demasiado velha”, porque “vai pensar em engravidar”, “está grávida” ou “já é mãe e tem os filhos para cuidar”, a desigualdade continuará a existir, até porque, na hora de definir, entre homem e mulher, quem evoluirá na carreira e quem terá acesso a determinado cargo de liderança, a escolha parece óbvia.
Pelo que, para Portugal alcançar o desígnio de igualdade entre homens e mulheres, é necessário, não só um esforço coletivo – como o que se tem verificado, de implementar alterações legislativas e políticas de combate à
desigualdade –, mas também uma reforma urgente da mentalidade individual, que caberá, a cada um de nós, abraçar.
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