A seu ver, por que razão houve necessidade de criar o “Manifesto por Uma Reforma da Justiça em Defesa do Estado de Direito Democrático”? Identifica-se com alguns dos pontos nele contidos?
No desempenho da nossa profissão deparamo-nos cada vez mais com situações que, por via do estado atual do sistema judicial, deixam os cidadãos “desprotegidos” ou em que estes veem os seus interesses gravemente prejudicados, em virtude da morosidade e/ou dificuldade em obter uma resposta/solução em tempo útil. O que assistimos hoje é o agravar de situações que estão identificadas, mas por resolver há muitos anos. Assim, é essencial reformar e credibilizar o sistema judicial, o cidadão tem de estar seguro e consciente dos parâmetros e das regras de convivência em sociedade e de que existe uma tutela efetiva e à qual pode recorrer.
Quais os aspetos contidos neste Manifesto que destaca como aqueles que necessitam de debate e resolução urgentes?
O tema da morosidade, em todos os ramos e sobretudo na jurisdição administrativa e tributária, tem de ser resolvido sob pena de uma cada vez maior descredibilização do nosso sistema judicial e, por conseguinte, do nosso país. As implicações do “status quo” e o receio constante da ausência de tutela (em tempo útil), cada vez mais complexificam os contratos e as relações entre os diversos agentes de mercado, bem como acabam por “afugentar” ou retrair o investimento. Enquanto cidadão preocupado, também o tema do processo penal carece de reflexão, debate e resolução.
A população tem uma opinião formada sobre a Justiça que pende sobre o facto de ser lenta e, por vezes, lesiva dos direitos e garantias dos cidadãos, enquanto devia ser o contrário. Enquanto advogado, tem casos que sirvam de exemplo a esta realidade? Que impacto esta demora tem junto das pessoas?
A lentidão da Justiça é uma realidade, temos diversas situações em que esta faz perigar os direitos dos cidadãos ou os leva a fazer maus acordos, por via do receio na demora do desfecho judicial. Mesmo nos processos ditos
“urgentes”, muitas vezes o sistema judicial não consegue dar resposta em tempo útil, de forma a proteger/assegurar os direitos dos cidadãos. Infelizmente, existe quem se aproveite destas particularidades do nosso sistema para conseguir obter vantagens, negociando e tentando coagir os outros partindo destes
pressupostos. Temos no escritório diversas situações gritantes e ilustrativas do paradigma atual, que vão desde os temas mais elementares como o arrendamento e os mecanismos de supressão de incapacidades, como situações societárias, até ao problema da justiça administrativa e tributária, onde este problema ganha contornos especiais, atento o estatuto do próprio Estado. A título de exemplo, ao nível da justiça tributária, um cidadão pode ver a Autoridade Tributária e Aduaneira fazer uma liquidação oficiosa de um imposto com base em
fundamentos falsos ou errados e ter de pagar um valor absurdo para se poder defender e aguardar meses, ou anos, até ver a sua situação resolvida, sem que possa reaver a quantia que caucionou durante todo esse tempo.
Sendo este um problema de fundo da Justiça nacional, o que falta fazer para resolver esta questão? O problema jaz na falta de meios infraestruturais, técnicos ou em ambos? Ou, além destes, há mais problemas que não permitem um avanço célere da Justiça?
O problema não é novo, já existe e subsiste há muitos anos, contudo agravou-se bastante na última década. Parece-me que existem uma série carências em diversos planos que são críticas para a reforma do sistema. A estrutura humana afeta ao sistema judicial é reduzida, estando desadequada à dimensão e complexidade do mesmo, sendo os profissionais mal remunerados, o que agrava o problema. Por outro lado, existe uma falta ou desadequação das infraestruturas e equipamentos. Também ao nível legislativo, o legislador ao regular
excessivamente determinadas matérias, complexificou a aplicação da justiça, agravando o sistema e deixando muitas situações sem resposta. Os processos continuam a ser longos e muito burocráticos.