“O nome de um advogado é o seu maior património”

Claudete Teixeira está quase a celebrar 25 anos de carreira enquanto advogada, num caminho que começou do zero. Reconhecendo-se como determinada e apaixonada pela profissão, assume que um advogado deve ser “irrequieto”, na medida em que deve investir sempre em si, em saber mais, em perseguir a sua contínua evolução profissional. Foi este espírito que a levou a conquistar o seu escritório próprio, onde hoje trabalha com uma equipa que, a breve trecho, vai crescer, para dar resposta a novas áreas do Direito. Uma entrevista sobre a mulher e a profissional Claudete Teixeira, sem nunca perder de vista o Direito e a Justiça – as suas “causas maiores” – e o que há ainda a fazer para melhorar estas áreas.

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O desafio de advogar em Portugal

É advogada há quase 25 anos. Como caracteriza este percurso, considerando que desde adolescente quis ser advogada?

É um percurso que se construiu do zero. Quando entrei para a faculdade, e até iniciar o estágio, não conhecia um único advogado, nunca tinha tido qualquer espécie de contacto com a Advocacia ou com os tribunais. Fui construindo a minha carreira gradualmente. No início, como estagiária, com as dificuldades inerentes a um
estágio não remunerado e já como advogada, no âmbito de uma profissão liberal, sem qualquer retaguarda ou plano “B”. O que sinto, ao dia de hoje, é que, efetivamente, primeiro temos de plantar, para depois ver os “frutos”. Durante muito tempo, parece que só temos trabalho, com nenhuma ou pouca recompensa. Apenas com
consistência e dedicação, a partir de dado momento, se começam a colher os frutos. Tudo leva o seu tempo. A Advocacia é uma profissão muito gratificante, tanto em termos pessoais, como profissionais, mas repleta de desafios e barreiras. São estas ultrapassagens que vincam o caráter humanista e a missão social inerente à
Advocacia, particularmente, nos que honradamente a praticam individualmente.

Que diferenças notas no mundo do Direito, desde o momento em que começou a advogar até à atualidade?

Uma grande diferença é o recurso à tecnologia. Atualmente a maior parte dos processos estão informatizados. Os processos podem ser consultados através do sistema informático, as peças processuais e as notificações são
recebidas também por via informática. É muito mais fácil a gestão do processo e tal apresenta-se como uma grande vantagem. Quando iniciei a prática, tudo era feito em papel. Para darmos entrada de uma ação em tribunal, tínhamos de imprimir tudo, ter todos os documentos em papel e juntar cópias para todas as partes no processo. Tínhamos pilhas enormes de molhos de papel para dar entrada em tribunal. E ainda havia muito
advogados que nem sequer usavam o computador. Parece coisa do tempo dos nossos avós, mas de facto não foi assim há tanto tempo. Portanto, nesse aspeto existiu uma grande evolução nos últimos 25 anos e, efetivamente, o sistema judicial desburocratizou-se em muitos aspetos.

“A Advocacia é uma profissão
muito gratificante,
tanto em termos pessoais,
como profissionais,
mas repleta de
desafios e barreiras”.


O que mudou, de forma particular, para as mulheres advogadas?

Posso ter-me distraído, ou não me ter apercebido das mudanças, mas acho que, em particular, para as mulheres, não houve qualquer mudança radical. À exceção da evolução global, e que todos sentimos do mesmo modo, não vejo que para as mulheres tenha existido nenhuma alteração particular. Existem cada vez mais mulheres advogadas, magistradas e funcionárias judiciais, mais do que homens, isso é notório. Contudo, no caso particular das mulheres advogadas continuamos sem apoio à maternidade, sem apoio à família, que talvez sejam os segmentos em que mais precisaríamos de um apoio particular. Embora tenha de dizer que, quando eu comecei, não havia sequer prevista na lei a hipótese de as advogadas poderem pedir o adiamento de julgamentos pelo
facto de terem dado à luz e essa hipótese atualmente já existe. Embora muito limitada no tempo e seja muito insuficiente. Mas pelo menos já existe. Ser mãe e ser advogada são duas ideias que ainda carecem de muitas mudanças e melhorias para serem realidades totalmente compatíveis, o que depende não só do legislador,
mas também do bom trato e sensibilidade de quem trabalha e exerce Justiça, o que infelizmente nem sempre ocorre.

Enquanto advogada que dispõe de escritório próprio, onde recebe os seus próprios estagiários, que ensinamentos e experiências procura passara estes novos profissionais?

Ser estagiário é muito difícil. Quando se acaba a faculdade achamos que já sabemos imenso. Depois iniciamos o caminho na Advocacia e percebemos que afinal não sabemos quase nada. Entre ser-se licenciado em Direito e ser-se advogado há uma diferença abissal. A primeira coisa que o meu patrono me ensinou, e que eu nunca mais esqueci, é que não há processos fáceis. E esta é uma regra fundamental e que eu também transmito aos meus estagiários. Nunca se pode facilitar. O excesso de confiança é um inimigo terrível. Quase tão mau como a falta
dela. O nosso papel enquanto responsáveis pelo estágio destes novos colegas não é apenas transmitir-lhes conhecimentos técnicos, mas também prepará-los para a Advocacia, com tudo o que isso implica, cumprindo as regras deontológicas e assumindo cada processo como se fosse o único. Nunca se pode descurar o brio
profissional. O nome de um advogado é o seu maior património.

O que gosta mais, na profissão que desenvolve? E, pelo contrário, o que considera que poderia ser alterado?

Gosto muito de ser advogada. Gosto de fazer julgamentos, gosto de escrever as peças processuais, gosto de defender causas, de estudar o Direito. Gosto de tudo. Na Justiça, não obstante, há muito a fazer. O problema da
morosidade da Justiça, por exemplo, é extremamente grave e tem consequências muito impactantes na vida das pessoas, na saúde financeira das empresas e, consequentemente, na economia do país. É um problema que se agravou bastante nos últimos anos. A pandemia contribuiu para o atraso de muitos processos, é uma verdade, mas tudo teria sido recuperado ou agilizado, não fosse a falta de meios, a falta de funcionários judiciais e as
greves sucessivas dos funcionários judiciais, decorrentes do descontentamento e falta de valorização destes profissionais, que são também essenciais à Justiça. A situação atual é muito preocupante.
Por outro lado, é muito importante dizer que é preciso também valorizar o patrocínio oficioso e remunerar condignamente todos os advogados que fazem um trabalho absolutamente fundamental na defesa dos direitos de todos aqueles que não têm possibilidade de pagar honorários a um advogado. O valor que se paga hoje aos advogados que exercem o patrocínio oficioso é sensivelmente o mesmo que se pagava quando eu comecei a advogar, há mais de 20 anos, e que na altura já era baixo. É inaceitável. Os advogados são uma peça
absolutamente fundamental no funcionamento da Justiça. Dignificar a Advocacia é também dignificar a Justiça.

Ser mulher no Direito

As mulheres sempre precisaram de lutar mais para conseguirem alcançar os seus objetivos. Em Portugal, só tiveram verdadeira liberdade para trabalhar em todas as áreas e ser verdadeiramente independentes a partir de 25 de abril de 1974. No Direito, esta resiliência feminina também se nota?

Acho que sim. Não é por acaso que as mulheres têm vindo a ocupar a grande parte dos cargos na Justiça, e com muito sucesso. As mulheres têm vindo a fazer algo nunca visto. Assumem uma vida profissional, e cargos de
liderança como nunca na história tinha acontecido e, ao mesmo tempo, mantêm o seu papel “tradicional” de mães e mulheres. Apesar desta circunstância, de ainda serem maioritariamente as mulheres quem mais
assegura a liderança das tarefas domésticas na família, são as mesmas que conseguem ter os maiores sucessos profissionais, como se realmente fosse essa a sua única e exclusiva responsabilidade. Isto é algo extraordinário.

O que considera que as mulheres aportam, de forma distinta, à prática da Advocacia?

As mulheres têm um espírito de sacrifício como mais ninguém tem e são extremamente combativas e responsáveis. Além de terem uma grande capacidade de se reinventar e de encarnar vários papéis e, normalmente, também são intuitivas. Portanto, como advogadas, são muito fortes.

Enquanto advogada, reconhece que a profissão toma muito do seu tempo? Como é possível conjugar a sua vida profissional com o seu lado pessoal e familiar?

A profissão ocupa grande parte do meu tempo, de facto. Os dias não são todos iguais e existem alturas profissionalmente muito exigentes e outras em que se consegue gerir melhor o tempo. É preciso aproveitar estas
alturas para equilibrar o tempo com a família. Por vezes, estamos tão envolvidos em tudo que, embora saibamos, não nos lembramos que o tempo passa sempre muito rápido. O tempo das crianças parece correr ainda mais depressa. Um dia quando olhamos já estão maiores do que nós. Os nossos filhos precisam de nós todos os dias e nós precisamos de os ver crescer e de estar presentes. Caso contrário, também não ficaremos bem connosco próprios. Por vezes basta só a nossa presença efetiva. O estarmos disponíveis, para quando nos solicitam essa disponibilidade. Tento esforçar-me todos os dias por estar presente e disponível para eles.

Quais os desafios que sente, de forma particular, que as mulheres advogadas enfrentam, no seu dia a dia? Profissionalmente, ainda há desafios reservados unicamente às mulheres ou já existe equidade?

As advogadas portuguesas não têm direitos sociais como a proteção na maternidade, assistência à família, proteção na doença, ou outros. Os advogados e solicitadores portugueses são obrigados a descontar para uma caixa de previdência privada, a CPAS, que não nos garante os mesmos direitos sociais disponíveis para os trabalhadores independentes. Contudo, mesmo em países como Espanha e Alemanha, onde também existem
regimes de segurança social privados, são assegurados direitos essenciais como apoio na doença e parentalidade, o que não acontece em Portugal. Isto é inaceitável. Uma advogada que acaba de dar à luz não tem direito a licença de maternidade e a única coisa que a lei lhe assegura é a possibilidade de pedir o adiamento de julgamentos, ou diligências judiciais. Sendo que, se a diligência devesse ter lugar durante o primeiro mês após o nascimento, o adiamento não deve ser inferior a dois meses e quando devesse ter lugar durante o segundo mês, o adiamento não deverá ser inferior a um mês. Em caso de processos urgentes, estes prazos são reduzidos a duas semanas e uma semana, mas se for o caso de existirem arguidos presos, por exemplo, a advogada não tem direito a pedir qualquer adiamento. Não estando sequer prevista qualquer suspensão dos prazos que tenha em curso, tendo de continuar a dar cumprimento às notificações judiciais, tenha ou não
acabado de ter um bebé. Agora pensemos: com a imensidão de tempo que geralmente os processos demoram em Portugal, é ou não hipocrisia estar a impor às advogadas este nível de exigência e de entrega, depois de darem à luz, quando esse nível de exigência, aparentemente, não existe para mais ninguém? Dignificar a Advocacia é também dignificar a Justiça.

“Um advogado que vai para um tribunal de família com o mesmo espírito e atitude como se fosse para um processo-crime é tão mau como ter um nadador-salvador que não sabe nadar”.

O Direito em Portugal

O Direito é uma área em constante evolução, pois acompanha a sociedade. Tal obriga a um estudo constante e desenvolvimento de novas capacidades profissionais. Como acompanha esta mesma evolução?

Estudo. Nunca parei, nem paro, de estudar. Agora mesmo, este ano letivo que passou, frequentei uma pós-graduação em Direito do Trabalho, na Faculdade de Direito de Lisboa, onde me formei. É essencial que o advogado se mantenha irrequieto. É fulcral que os advogados se mantenham atualizados, de forma a melhor
corresponderem às cada vez mais complexas e maiores dificuldades dos clientes.

Optou por se especializar na área do Direito da Família e das Sucessões. Porquê?

Eu fiz várias pós-graduações em Direito da Família e fiz também o curso de mediação familiar, porque é uma área que me apaixona e eu gosto de trabalhar por paixão. Além disso, é absolutamente fundamental para todos os que pretendam trabalhar nesta área que tenham formação específica. Um advogado que vai para um tribunal de família com o mesmo espírito e atitude como se fosse para um processo-crime é tão mau como ter um nadador-salvador que não sabe nadar. É essencial que cada um de nós tenha um conhecimento específico e profundo
das áreas em que trabalha. Para além disto, estamos a falar de uma área que exige um lado humano que não existe em outras áreas do Direito, onde se exige um tato e trato muito distintos e um maior grau de compreensão e empatia.

Que considerações tece à legislação existente nesta área? É necessário atualizar a mesma ou cumpre os requisitos para lidar com os problemas atuais?

Eu acho que o problema não é a lei. O problema está na aplicação da lei. É preciso meios e mais profissionais para a Justiça. E não falo apenas dos tribunais, mas para todas as instituições da Justiça e para as que trabalham em prol e em colaboração com a Justiça. As perícias, quando são necessárias, deveriam ser feitas por profissionais verdadeiramente qualificados e experientes e dando-lhe o devido tempo e importância, e deveriam ser feitas em tempo útil. O mesmo vale para os departamentos da Segurança Social, que precisam de meios para
atuarem com qualidade, meios para as comissões de proteção de menores, meios para as instituições que acolhem crianças. É preciso investir na proteção das crianças. E é preciso investir na educação das pessoas para o apadrinhamento civil ou para serem famílias de acolhimento. Acredito que existam muitas pessoas com vontade e capacidade para ajudar crianças em risco e que não o fazem por desconhecimento e por ainda não termos desenvolvido uma cultura nesse sentido.

Quais os objetivos que delineou para o futuro, quer para a evolução do escritório, quer para a sua própria evolução profissional?

O objetivo que tenho neste momento em mãos é desenvolver no escritório a área do Contencioso Tributário e Administrativo. Estas são duas áreas com especificidades e tramitação muito particulares, com uma jurisdição muito própria, cuja totalidade das alterações ainda se encontra a ser implementada (como é o caso dos juízos de urbanismo no C.A.), respeitando a litígios que têm como contraparte direta o Estado, e onde a parte requerente (o particular, o contribuinte, o cidadão português) muitas vezes entra numa guerra “desproporcional”, assumindo a figura de “fraco contraente”. Falamos, em muitos destes casos, em aspetos essenciais como o património ou os direitos fundamentais (trabalho, ambiente). Por outro lado, o Estado é um dos (senão o maior) contratante nacional, nos lançamentos de projetos, empreitadas e prestações de serviços, sem olvidar os programas de apoio estadual e incentivo ao tecido empresarial. É neste sentido que um dos nossos objetivos é alargar e dotar o escritório de pessoas capacitadas para lidar com estas matérias, nas quais considero que há uma franca falta, com especial enfoque para as questões administrativas e, se possível, quanto à contratação pública.