Panorama jurídico mudou com visão feminina: Como as advogadas influenciam o Direito

A advogada Marina Mata exerce a sua profissão em prática individual, com particular destaque para as áreas de Direito da Família e Crianças e Direito Criminal. Os anos de trabalho ensinaram-lhe a identificar problemas sociais que podem, mais tarde, vir a culminar em situações jurídicas. É o caso do aumento do crime entre jovens, que não tem uma solução jurídica ou administrativa desenhada à altura de combater o problema.

0
264

A Advocacia está, já há alguns anos, a conviver com mais mulheres do que homens no exercício da profissão. A seu ver, isso altera, de alguma forma, a maneira como se advoga no país?

Sim, creio que todo o panorama jurídico é alterado com uma visão feminina. Muitos foram os anos em que a Justiça era apenas vista por homens, gerida por homens, legislada por homens. Quando as mulheres assumiram uma posição de destaque na Advocacia a visão de encarar, estudar e legislar sobre o Direito alterou-se. As
mulheres têm outra sensibilidade para analisar as questões jurídicas, carreando sempre a sua experiência pessoal para a boa resolução dos litígios. São, também, mais multifacetadas e pragmáticas na análise factual dos assuntos que nos são trazidos pelos constituintes.

Que impacto tem a presença de mulheres também noutros cargos do Direito, como a Magistratura do Ministério Público e Juízas?

O facto de existirem, presentemente, mulheres que ocupam cargos que anteriormente apenas pertenciam a homens demonstra, de forma clara, que na área jurídica já se assiste a uma paridade e uma igualdade de géneros. No entanto, não devemos aqui deixar em claro o facto de as mulheres terem de fazer um esforço
muito superior aos homens para atingirem tais cargos. Ainda hoje é a maioria das mulheres que costuma gerir toda a dinâmica familiar, se bem que tal já não será a regra. As mulheres lutam muito mais que os homens para terem sucesso, em qualquer área laboral.

Trabalha em várias áreas do Direito, nomeadamente a área Criminal e a da Família e Crianças. Que riqueza de conhecimento isso comporta? Ajuda conhecer várias áreas de forma a conseguir trabalhar com diferentes pontos de vista?

Nos dias que correm, o crime e a família cada vez estão mais interligados. Quantos crimes se veem hoje, cometidos por adultos ou jovens adultos, que já em crianças foram institucionalizadas, e até negligenciadas. Quando se trabalha em duas áreas em que a linha que as separa é muito ténue, ou até mesmo nenhuma, torna-nos mais sensíveis às questões prementes do dia a dia. Começamos a encarar a vida, e todos os acontecimentos familiares, de outra forma. Situações que outrora não seriam importantes, hoje tomam outras dimensões. Quantos jovens hoje se suicidam e desconhecemos as razões para tal?! Quantos jovens se sentem sós, apesar
de terem toda uma família do lado deles, mas que não compreendem essa tristeza?! O que leva os jovens a andarem munidos de armas brancas, quando vão sair para se divertirem?! Existe uma violência gratuita, entre os jovens, que é assustadora! Estas agressões, entre jovens, deviam fazer com que toda a sociedade ficasse alerta, o que não sucede. Assobiamos para o lado, como se nada tivesse ocorrido. Para evitar esta escalada de violência juvenil, a Justiça devia tomar medidas preventivas.

Que considerações tece à legislação relativa ao Direito da Família e das Crianças existente em Portugal?

A legislação portuguesa encontra-se muito aquém das necessidades que se sentem, diariamente, nas áreas referentes à família e sobretudo aos menores. Temos assistido a um crescimento avassalador de crimes que
envolvem menores e, por ora, não temos uma resposta jurídica adequada para colmatar estas situações. Quando os menores com menos de 16 anos cometem crimes graves, estes são institucionalizados, sendo que muitas das
instituições em Portugal não têm meios de acompanhar estes jovens, demovendo-os de uma vida ligada ao crime. Deveriam ser gizadas alternativas que promovam a reintegração destes jovens, que os tornem adultos corretos e não reincidentes no mundo do crime. O mesmo se diga dos jovens adultos que são presos. A reclusão, muitas vezes, não se torna benéfica. Pelo contrário, poderá torná-los mais revoltados com a sociedade, e não é isto que se pretende. Este é um assunto muito sensível, que deverá ser minuciosamente analisado e estudado, para que daí advenham alterações legislativas benéficas, não só para os menores, os jovens, mas para toda a sociedade.