Aquando da anterior entrevista, destacou que o impacto negativo do fim do regime fiscal dos Residentes Não Habituais seria transversal a muitas áreas de atividade e que isso se devia à imediata perda de credibilidade do país enquanto destino de investimento, bem como à perda de competitividade na atração de talento, preferindo as empresas de tecnologia e inovação instalarem-se noutros países. Mantém estas considerações, ou acredita que com a criação do incentivo fiscal à investigação científica e inovação Portugal consegue recuperar um pouco destes ativos?
Qualquer recuperação da imagem de Portugal não passará pelo novo incentivo à investigação científica e inovação. É necessário que se desenhe um novo regime similar ao residente não habitual – não falo numa
repristinação (para tal julgo não haver coragem política), mas é imperativo que um novo regime inclua benefícios para quem investe ou detém ativos em Portugal e não apenas (em boa parte) rendimentos de fonte estrangeira.
O escopo de aplicação do regime de incentivo à investigação tem “use case” muito limitado e a sua implementação não é simples: existe um necessário preenchimento de requisitos pelo trabalhador e pela entidade empregadora. O público-alvo do regime do residente não habitual foi infinitamente maior e a obtenção do estatuto era fácil. Todos os procedimentos e prática respeitantes ao residente não habitual encontravam-se consolidados, existindo já considerável jurisprudência quanto aos mais variados temas. Este novo regime nem sequer está plenamente regulamentado e prevejo a chegada de um procedimento kafkiano.
O fim do regime fiscal dos RNH, considerando a forma como foi implementado, pode trazer problemas a quem estava a meio do processo legal. Embora tivesse sido dado um prazo para que essas pessoas ficassem ainda abrangidas pelo regime dos RNH, tem conhecimento de casos de litigância nos tribunais devido a um processo que foi rejeitado, por exemplo, já considerando os novos prazos legais de enquadramento neste regime fiscal?
Não tenho ainda conhecimento de situações conducentes a recurso às vias contenciosas em virtude de não aplicação das regras do chamado período transitório.
Que impacto tem atualmente na capacidade de atração de talento nacional a concorrência já exercida por outros países, como Itália, Espanha, Grécia e Malta, no que respeita a soluções fiscais que atraiam talento qualificado para os seus territórios? Portugal é competitivo, após as alterações que fez ao regime original dos RNH?
Portugal não é competitivo sem regimes fiscais especiais, quer em sede de tributação do capital ou do trabalho. A tributação base em sede de IRS e IRC afasta os investidores mesmo em situações em que os méritos do investimento são equivalentes. Para os trabalhadores portugueses, o peso do IRS e da Segurança Social leva-os a emigrar. Para os trabalhadores qualificados estrangeiros, este custo leva-os a considerar outros destinos equivalentes, mesmo considerando fatores como o custo de vida e poder de compra.
É importante terem conta que a tributação é um custo tanto para as empresas estrangeiras como para o talento internacional, não é um investimento. Existe também a necessidade de distinguir entre empresas que se estabelecem em Portugal para aceder ao mercado de consumo português e aquelas que se estabelecem para aqui produzir. Embora qualquer investimento extrativo implique o mínimo de investimento produtivo, umas e outras terão maior ou menor sensibilidade ao nível de tributação.
O novo regime fiscal de incentivo à investigação científica e inovação é interessante para os investidores, a seu ver? Quais os aspetos que mais destacaria, positiva e negativamente?
É interessante apenas para poucos, e diria que não é já um elemento-chave na seleção da jurisdição para estabelecimento de um centro de pesquisa e desenvolvimento. Os aspetos negativos são o seu escopo reduzido de aplicação e a complexidade. Aspetos positivos reduzem-se à sua mera existência – podia não existir qualquer regime.
Como se pode caracterizar este novo regime fiscal à luz da legislação internacional? É um regime que corresponde à legislação tributária atualmente vigente na Europa, ou fica aquém da legislação existente?
É um regime que infelizmente fica aquém da legislação existente a nível europeu e em outros países que possuem adicionais vantagens competitivas.
A juntar à questão do fim do regime fiscal dos RNH, a própria carga fiscal à qual as empresas nacionais estão sujeitas é imensa. A redução e simplificação da carga fiscal para as empresas no país poderia ser uma forma diferente – também ela competitiva – de atrair e fixar empresas de setores de vanguarda no país, juntamente com os seus recursos humanos qualificados?
A simplificação fiscal por si só não é conducente a maior investimento embora diminua os custos de compliance e planeamento. A redução transversal da carga fiscal agregada sobre o capital e sobre o trabalhador seria um fator de elevada importância para a atratividade do investimento em Portugal em comparação com outras jurisdições. Sendo um país importador de capital, seria importante que a taxa de IRC de Portugal fosse colocada no quartil inferior na União Europeia.
Devemos ter em conta que é com países da União Europeia que verdadeiramente concorremos dado que fora União a inexistência da regulação comunitária em matérias não fiscais faz como que não sejamos sequer concorrentes. Além da fiscalidade ainda há um longo caminho a realizar em termos de capacitação do capital humano, infraestruturas e burocracia que aborrece qualquer investidor estrangeiro.
Outro grande desafio é a contínua perda de recursos humanos qualificados portugueses, que optam por trabalhar noutros países, onde as condições financeiras (essencialmente) são mais atrativas. Na senda da pergunta anterior, simplificando e reduzindo a carga fiscal das empresas implementadas em Portugal, parece-lhe que seria possível aos empresários garantir melhores condições de trabalho aos seus recursos humanos, evitando a constante perda de jovens nacionais com qualificações de alto valor profissional?
Sem dúvida. Se os empresários portugueses beneficiarem de mais capital disponível o reinvestimento em ativos produtores será diretamente conducente a um maior lucro, a maior concorrência, e consequentemente melhor remuneração dos trabalhadores. Para tal basta que o lucro deixe de ser penalizado fiscalmente ao ponto de limitar o seu reinvestimento. Não podemos pensar que a economia é um jogo de soma nula e que empresas desprovidas de capital e a operar no fio da navalha são os melhores empregadores.
Não obstante, seriam precisos alguns largos anos para que Portugal alcançasse o nível de salários praticados nos principais países de destino dos emigrantes qualificados portugueses.
Como analisa a possibilidade de evolução da fiscalidade nacional? Urge que Portugal volte a tornar-se mais competitivo? Que consequências advirão de um não investimento em regimes fiscais atrativos, a breve trecho?
Não acredito que ocorra uma evolução positiva no curto prazo. Infelizmente, a tributação nacional está fadada a seguir as imposições imediatistas de um modelo de caixa típico das finanças públicas do século XIX. A necessidade de receita de curto prazo, obtida através de impostos, está intrinsecamente ligada a um posicionamento despesista dos vários organismos públicos que veem como necessário capturar e gastar anualmente todos os seus orçamentos.
Este tipo de despesa pública está também muitas vezes ligado a promessas eleitorais que vão agradando ou desagradando aos vários setores da sociedade e cuja resposta não tem em conta a coesão do sistema fiscal. A resposta é quase sempre reativa, e feita em campanha eleitoral, como é o caso do IRS sub-35.
Foi agora noticiada a possibilidade de criação de um novo regime especial em sede de IRS que excluirá os pensionistas e tributação sobre o capital. São boas notícias, mas não as melhores. No curto prazo o estrago já foi feito e a confiança em Portugal afetada pelo fim abrupto, sem aviso, de dois regimes (residente não habitual e parte do regime do Golden Visa) de atratividade de investimento.