Reconstruir e restaurar com paixão

Com 65 anos de existência, a Augusto Oliveira Ferreira (AOF) é especializada em reabilitação e restauro do património. Esta empresa familiar vai na terceira geração – atualmente é administrada por Filipe Ferreira - e já realizou diversas intervenções em todo o país.

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Qual é o segredo para manter uma empresa familiar durante 65 anos?

Filipe Ferreira (FF): Esta empresa começou por uma paixão do meu pai. Sempre trabalhou no património e restaurou grandes edifícios. Este ano vamos fazer 65 anos, o que é uma idade grande para uma empresa e vamos na terceira geração. O gosto pelo património não se perdeu e é transmitido a toda a gente que cá trabalha. Muitos estão na empresa desde o início da sua vida ativa. É uma família que vive o património, cuida-o e pensa em função dele.

Os valores familiares estão presentes no dia a dia da empresa?

FF: Tratamos os nossos colaboradores como uma família e há um respeito muito grande entre nós. Um dos meus filhos é engenheiro, a outra é arquiteta, e, sem eu lhes dizer nada, quiseram seguir este ramo. Depois tenho colaboradores que vivem a empresa como qualquer instituição gostaria.

O impulso no mercado da reabilitação urbana terá sido uma resposta à crise no setor da construção civil?


FF: O meu pai quis trabalhar em reabilitação, há mais de 60 anos, por amor ao património. Nessa altura este tipo de trabalhos não era muito reconhecido, pois era previligiada a construção nova em detrimento da reabilitação e do restauro. Digamos que o meu pai estava adiantado no tempo. De facto, mudou muito. Foi a crise da construção nova que fez as pessoas mudarem de ideias. De qualquer maneira, há organizações que defendem o património, como o “GECoRPA – Grémio do Património”, associação de empresas e pessoas, do qual a AOF é associada, que sempre defendeu a reabilitação e o restauro quando poucos apostavam nisso.

Existem dificuldades a nível de mão-de-obra?

FF: Existem. Quando houve esta grande crise na construção de obras públicas, nós tivemos sempre trabalho, porque tínhamos os nossos clientes particulares, arquitetos e engenheiros e nos recomendavam. Com o desemprego nas empresas, uma parte dos trabalhadores emigrou e não voltou. Os outros reformaram-se.

Qual a importância da reabilitação urbana?

FF: A reabilitação urbana devia permitir a renovação e a conservação do nosso edificado e atrair pessoas para cá viverem, nos visitarem e pernoitarem em Braga, por estar localizada perto de um grande centro, que é o Porto. Contudo, Braga ainda é penalizada. Claro que com o Bom Jesus, classificado como património da UNESCO, esperamos que a situação mude. No fundo, é tentar que se contrarie essa tendência.

Belmiro Xavier (BX): Eu só espero que o turismo de Braga não se torne massificador, porque dificultaria a vida de quem cá habita em filas de trânsito. Espero que Braga saiba crescer e que, de facto, consigamos manter a nossa qualidade de vida.

Quais têm sido as obras mais emblemáticas da AOF?

FF: Temos tido muitas obras emblemáticas em vários tipos de edifícios, como igrejas, mosteiros, castelos e outros tipos de edifícios monumentais, não esquecendo o património corrente. Por exemplo, os carrilhões do Palácio Nacional de Mafra são uma obra de grande responsabilidade.

BX: A responsabilidade de cada uma é tão grande que nos obriga a olhar para todas as intervenções com todo o cuidado, porque nós estamos a intervir em alguns ex-líbris do património português.


Como é que uma empresa com 65 anos de existência consegue manter-se atual sem perder a sua tradição?

BX: Os novos materiais que são usados na reabilitação e restauro não tiveram uma grande evolução. Muitos dos materiais que usamos agora já são usados em Itália há 20 ou 30 anos. Portanto, nós já utilizávamos esses materiais, porque os importávamos. Agora, a diferença é que já não precisamos de os ir buscar a Itália e outros países porque já há empresas em Portugal que os fabricam.

FF: Antigamente, as construções tinham um tempo de maturação. Agora é tudo mais rápido. Digamos que há uma questão temporal e, portanto, há materiais que têm de ter maior rapidez de execução. A nível de materiais, as universidades e as fábricas têm feito um trabalho fabuloso a nível de investigação. Há também muitos materiais que são a evolução natural dos antigos. No fundo, os materiais que aplicamos são modernos, diferentes, cientificamente evoluídos, mas não estão assim tão longe dos antigos. Temos noção que haverá necessidade de introduzir materiais diferentes, sendo que têm de ser compatíveis para não criarem problemas químicos ao que está à sua volta.

A tecnologia é uma forma de divulgar o trabalho da AOF e atrair novos públicos?

FF: Penso na tecnologia para nos ajudar a desempenhar bem o nosso trabalho, sempre no respeito pela pré-existência e com o objetivo do melhor resultado da intervenção.

Quais são as perspetivas futuras para a AOF?

FF: São ótimas. Internamente, temos um grupo coeso, que vive intensamente o trabalho que realiza e que deve ser reconhecido e elogiado. Temos um portefólio enorme. Fizemos intervenções nos mais emblemáticos monumentos nacionais e não só. Portanto, para a AOF vejo um futuro muito favorável.

Os inúmeros prémios conquistados até agora são a prova de que estão no caminho certo?

FF: São. Nós temos dois prémios “Europa Nostra” que, para mim, é o maior prémio de restauro a nível mundial. Temos intervenções em alguns edifícios classificados como património da UNESCO, casos do Palácio Nacional de Mafra, Bom Jesus do Monte, Mosteiro da Batalha, Convento de Cristo, Mosteiro de Alcobaça, Universidade de Coimbra – Alta e Sofia. Temos o prémio “Vasco Vilalba” da Gulbenkian, o prémio “IHRU”, o prémio “Reabilita Braga”, o prémio “João de Almada” e também o Prémio Nacional de Reabilitação Urbana.

BX: O nosso melhor prémio é termos uma carteira de clientes que confiam no nosso trabalho.

Inês Menezes (IM): Acho que todos temos a noção dos locais onde trabalhamos, quer seja património mundial ou de um edifício corrente. O entusiasmo começa na forma como nós falamos com as pessoas. E assim mostramos que queremos ser os melhores naquilo que fazemos.