“Regular os esports fará crescer ainda mais esta indústria”

Regular a prática de esports já há muito que era necessário e a afirmação de que a criação de legislação nesse sentido tem de acontecer só peca por tardia, de acordo com Beatriz de Jesus Gonçalves, Advogada na Legal Block – Pinto Correia, Sociedade de Advogados, SP, RL. Numa indústria que gera milhões de dividendos e que é acompanhada por cada vez mais espectadores, a regulação faz sentido e contribui para um ainda maior crescimento desta prática, posto que é reconhecida legalmente e protegida por Lei.

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Concluiu-se, recentemente, que a regulação relativa à prática dos esports tem de avançar. Se assim for, que vantagens isso trará aos seus praticantes, por um lado, e à própria economia, por outro?

Essa conclusão peca, na minha opinião, por tardia. A dimensão assumida nos últimos anos pela indústria dos esports impunha uma ação mais rápida e eficaz do legislador. Evidentemente que tal dimensão se explica pelo aumento do número de praticantes e de espectadores, mas também pelo aumento dos valores envolvidos. A regulação permitirá, por um lado, equiparar os praticantes a qualquer outro atleta, quer do ponto de vista profissional, quer do ponto de vista financeiro, mas permitirá também, por outro lado, acautelar a integridade das competições. Permitirá, assim, o controlo de doping e de outro tipo de abusos que não fogem às malhas da regulação.
A regulação fará crescer ainda mais o número de participantes e espectadores e, consequentemente, os valores envolvidos na indústria. Isto significa que os Estados e as Federações Nacionais podem capitalizar o investimento na indústria de esports.

É esperado um aumento das receitas deste tipo de desporto que ronda os 6,54% entre 2024 e 2028. Se assim for, o ano de 2028 terá uma receita estimada de 21,7 milhões de euros. Considerando o valor económico destas atividades, como se regulamenta esta situação?

Quanto maiores forem os valores envolvidos, mais difícil será a tarefa de manter a integridade das competições. A regulação será muito difícil e terá de ser muito abrangente. Em primeiro lugar urge criar as estruturas de regulação nacionais e internacionais que permitam dar força e aplicação à legislação. E depois sim, regular.

Considerando que este tipo de atividade é tida como “atividade desportiva”, a regulamentação da mesma deverá ser equiparada a outras atividades desportivas, verdadeiramente físicas?

Haverá sempre que atender às especificidades da indústria, desde logo, porque ao contrário do que acontece em outras modalidades, existem milhares de jogos diferentes, e todos com as suas regras próprias, o que significa que a regulação, seja ela de caráter nacional ou internacional, terá de ser mais abrangente. Por outro lado, os esports requerem grande capacidade física, motora e intelectual, tal como o xadrez, por exemplo.

Deve a lei criar um contrato para estes profissionais que os enquadre na categoria de “desportistas”?

A lei deve abraçar as especificidades desta nova realidade. Ao contrário daquilo que sucede nas restantes modalidades, os esports são criados por entidades privadas que são os “donos” do jogo, e que estabelecem as suas próprias regras. Logo, qualquer contrato deverá ter em conta essa especificidade. Quanto ao demais, e do ponto de vista laboral, os praticantes devem ser equiparados a qualquer outro atleta, porque, como referi, nos esports o elemento físico também está presente e é deveras importante.

Quais as principais questões que se colocam ao legislador aquando da criação de uma nova lei?

Entendo os esports como uma atividade desportiva que tem também uma vertente física e social. No entanto, este ainda não é um entendimento unânime, e esse é também um dos motivos que explica o atraso na regulação dos esports. No entanto, ultrapassando essa questão, penso que o maior desafio será precisamente a questão dos criadores dos jogos que são, por maioria de razão, os donos da modalidade desportiva e, muitas vezes, os promotores das competições. Acresce ainda que existem milhares de jogos e, consequentemente, milhares de regras diferentes. Cria-se assim um enorme potencial de caos legislativo.

Enquanto advogada, que avanço avalia que aconteça após a regulamentação desta área? Quão importante é a regulamentação, per si, para que a atividade seja vista como segura e responsável?

Uma atividade com um crescimento tão exponencial e sem regulação é um desastre à espera de acontecer. Foi o crescimento desregulado dos esports que criou um sentimento generalizado de desconfiança quanto à sua natureza de atividade desportiva legítima. Assim, a regulação da atividade é de suma importância para que os esports possam assumir oficialmente o lugar que já assumem na prática: o paradigma daquilo que será o desporto no futuro.