“A boa Arquitetura precisa de tempo para se desenvolver”

A Nonarquitetura nasceu em 2012, pela mão do arquiteto João Paulo Vieira. No desenvolvimento dos seus projetos, procura sempre assegurar que os materiais que utiliza são sustentáveis e tem preferência por materiais simples, naturais e sem encobrimentos, pois realça a beleza que lhe é intrínseca. Quando atua na Mãe Natureza a luz natural assume o papel principal, pela importância que o arquiteto dá à relação entre luz e sombra.

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João Paulo Vieira não tinha qualquer relação familiar ou de amizade com arquitetos, nem era particularmente interessado pela Arquitetura. Escolheu seguir Artes, no secundário, por sentir um apego pela pintura e escultura, até que um professor do ensino secundário lançou um desafio à turma – construir uma maquete de uma cidade, numa escala que ocupasse o espaço de uma sala de aulas, com edifícios que chegavam a um metro de altura. O estudante de Artes, aficionado por desporto, gostou muito de fazer o trabalho, o que acabou por levá-lo a escolher apenas o curso de Arquitetura aquando da candidatura ao Ensino Superior, tendo conseguido acesso direto à Universidade do Porto.

O Homem e o Arquiteto

Concluídos os estudos na faculdade, o arquiteto João Paulo Vieira começou como estagiário, no gabinete do arquiteto Pedro Moreno (1998-2000), passou pelo gabinete do arquiteto Manuel Ventura (2000-2001), já enquanto profissional, mas foi no gabinete do arquiteto Ginestal Machado – APEL – que mais tempo trabalhou
(2001 – 2012): “Ele permitia-nos ser criativos, mas era bastante exigente e nunca se contentava com a primeira ideia. Quando pensávamos que a solução encontrada era a melhor, tínhamos o seu risco a “deitar tudo abaixo” e obrigar a procurar nova solução. Dava-nos outra visão e liberdade para conceber um projeto, mas sempre à custa de muito trabalho e isso, para um arquiteto em aprendizagem, era estimulante e desafiante e foi determinante para a minha disciplina arquitetural”.

João Paulo Vieira considera importantíssimo haver disciplina na Arquitetura, porque acredita que a criatividade é uma capacidade inata, mas que tem de ser trabalhada todos os dias.

“NA ARQUITETURA, NÃO PODEMOS DAR COMO ADQUIRIDA A NOSSA CRIATIVIDADE, TEMOS DE A TRABALHAR TODOS OS DIAS”.


No entanto, em 2012, a crise económico-financeira nacional e as dificuldades que algumas empresas viveram obrigaram a APEL a dispensar alguns arquitetos, entre os quais João Paulo Vieira. Isso foi, todavia, uma oportunidade para a criação da Nonarquitetura: “O despedimento foi uma alavanca dolorosa, pois gostava do que fazia na APEL, mas temos de passar por momentos difíceis para iniciar o nosso caminho e tudo começou num quarto, com um estirador como mesa de trabalho. Ainda o conservo comigo. O meu primeiro cliente surgiu não diretamente, mas por contactos. Foi assim que conheci aquela que viria a ser a pessoa que mais contribuiu para o crescimento da Nonarquitetura, Francisco Pereira, o qual acabou por me apresentar o meu primeiro cliente, e a quem estarei sempre grato”. O primeiro projeto de raiz, desenvolvido em nome próprio foi a Casa do Lago. E é especial até hoje, porque lhe tocou no coração: “Esta obra – a sua forma – nasce de uma pré-existência e depois é um diálogo com o rio e com a paisagem. É algo tão simples como três paredes completamente opacas e brancas e uma parede totalmente envidraçada voltada ao rio Douro, sob uma cobertura em soletos de ardósia. Este projeto fez-me perceber que a Arquitetura tem de ser participativa, no sentido de ouvir todos os intervenientes, onde realço o diálogo com o cliente, nas pessoas de Nuno Andrade e Cláudia Amaral, que contribuíram para a constante procura da obra perfeita; temos de estar atentos à sua evolução e a obra é o palco de todas as emoções. Hoje já temos ferramentas que nos ajudam na visão global da obra ainda antes de ela nascer, como seja o BIM, uma visão 3D do que será a obra interligada com todas as especialidades, após a sua realização, mas mesmo assim o que me apaixona é ir para o terreno, é conversar, dialogar com todos e saber ouvir e ver a emoção que emerge no olhar do executante. Só assim a obra pode almejar a perfeição em cada detalhe e tornar-se numa paixão para todos durante a sua construção. Fiz cerca de 130 visitas a este projeto e não me preocupei com isso. Estava apaixonado por ele”. Este projeto recebeu uma menção honrosa nos prémios Architecture Masterprize Awards de 2018.

Caso do Lago | Foto: Pedro Marnoto Studio


Os desafios da Arquitetura

Assume que a inteligência artificial (IA) possa vir a coexistir com a Arquitetura, mas teme que passe a dominá-la, alterando a maneira de vivenciar a Arquitetura tal qual a conhecemos: “Eu sou a favor de toda a tecnologia computacional, enquanto ferramenta. Os programas já são parte integrante de qualquer gabinete de Arquitetura e acompanhar a sua evolução torna-se necessário para não ficarmos para trás. Contudo esta evolução computacional pode vir a alterar o papel do arquiteto, pois com a chegada da inteligência artificial (IA) aos gabinetes, a tentação do seu uso como parte do processo criativo, uma vez que vamos passar a ter computadores que podem raciocinar, pode a seu tempo dominar a nossa criatividade. Admito usar no meu gabinete toda a ferramenta computacional que o mercado colocar, mas espero não cair na tentação de me deixar guiar e esquecer o meu papel principal – criador de ideias”.

Além disso, aliada à velocidade em que a tecnologia consegue responder às solicitações, vem a necessidade de produzir projetos cada vez mais rápido. E essa exigência não permite que os arquitetos desenvolvam a sua criatividade: “Corre-se o risco de desenvolver projetos pobres na sua linguagem formal para obedecer a prazos loucos”. João Paulo Vieira exemplifica o que teorizou: “Veja-se, por exemplo, a pressão que temos atualmente para gastar os valores do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) destinados à habitação. Como vamos conseguir cumprir a meta estabelecida de construir 26 mil habitações em menos de dois anos? A boa Arquitetura precisa de tempo para ser feita. Além disso, esta é uma área onde existem muitos profissionais e, alguns deles, afirmam que sim, conseguem fazer os projetos em menos tempo do que o previsto. Isso pode descredibilizar a qualidade da Arquitetura”.

“CORRE-SE O RISCO DE DESENVOLVER UMA MÁ ARQUITETURA PARA OBEDECER A PRAZOS LOUCOS. A ARQUITETURA PRECISA DE TEMPO PARA SER FEITA”.

A questão do tempo de execução de uma obra vem assumindo especial relevo nos tempos atuais. O “Simplex Urbanístico” com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, veio acelerar todo o processo com impacto relevante na atividade, tornando impraticáveis os tempos que são solicitados pelos donos de
obra, colocando pressão no ato projetual nos gabinetes em benefício da simplificação da atividade administrativa, na opinião do arquiteto João Paulo Vieira.

João Paulo Vieira vivenciou também outros desafios quando optou por criar o seu próprio espaço de trabalho: “A estabilidade da minha empresa é muito importante para mim. Assim, eu sei que tenho de conseguir seguir uma ideia, num projeto, num determinado prazo e que me permita ter opções de alteração da mesma, mas sem ter de recomeçar do zero, senão o projeto não é rentável. Isso tolhe, também, a criatividade, porque não podemos experimentar soluções indefinidamente, temos de seguir um caminho e este muitas das vezes surge inesperadamente e aí eu sinto que foi o caminho correto. Por essa razão, sempre optei por ter uma estrutura empresarial pequena, que me permite dedicar de coração e alma a cada projeto, para que a minha criatividade floresça”.

Enquanto arquiteto, João Paulo Vieira descreve-se como um “transmissor de sensações”. Para si, a obra só está conseguida quando efetivamente lhe transmite algo e é esse legado que gosta de passar às pessoas que convivem com os seus projetos: “Gosto de caminhar pelos edifícios e sentir algo que não se explica. É isso que acontece quando se trata de boa Arquitetura. O meu maior sonho é conseguir construir uma obra na qual as pessoas sintam algo quando a vivenciam. A obra fica realizada na sua plenitude quando anonimamente alguém fala sobre a mesma, com prazer. Senti isso na Casa do Lago, senti também numa vivenda unifamiliar – Casa do Pardieiro, que recebeu uma menção honrosa nos prémios IDA Design Awards de 2019, e ultimamente na obra Hospvet, na qual conseguimos criar uma pala que marca todo o projeto”.

Casa do Pardieiro | Foto: Nonarquitetura

O toque reflete-se no estilo arquitetónico dos projetos de João Paulo Vieira, mas é sempre apresentado em
detalhe, nos pormenores. Os diferentes materiais são muito importantes para obter esse resultado, como a madeira, o vidro e a pedra.

Hospvet | Foto: Ivo Tavares Studio

Gabinete vs Atelier

A Arquitetura precisa de tempo para ser bem desenvolvida, mas os tempos atuais e a economia dificultam a criação artística do arquiteto, deixando este profissional restringido, em parte, ao lado economicista desta profissão. No entanto, num futuro próximo, o objetivo é conseguir transformar este gabinete num verdadeiro atelier. A diferença jaz, essencialmente, no tempo para o processo criativo: “O meu objetivo é conseguir sentir a Arquitetura, produzir Arquitetura que seja de uma essência e de uma alma transcendentes. Para mim, o que é normal não chega. O que é fácil não chega. Procuro e procurarei sempre que a Arquitetura me cause arrepios. O espaço que estou a projetar tem de vibrar comigo. Procuro que as pessoas sintam também estas sensações, quando passam por uma obra minha, e nem precisam de saber quem eu sou. Importa apenas que a obra lhes passe um sentimento positivo. Se eu conseguir tornar a pessoa ou a sociedade feliz com aquilo que eu produzi, aí eu sinto-me feliz e dou a missão como cumprida”.