A Barcovez está quase a completar duas décadas de existência. Ao longo deste percurso, o mercado imobiliário mudou, mas também o próprio conceito de habitação para as famílias. Que balanço faz destes 18 anos de existência?
É verdade que o mercado evoluiu bastante. O próprio setor teve mudanças muito significativas, quer seja a nível legislativo, quer seja a nível de profissionalização de quem nele trabalha, e tornou-se mais confiante. A única coisa que posso lamentar é o facto de não termos acesso a determinadas ferramentas, como uma base de dados
sobre a informação cadastral ou predial, de forma a podermos verificar as situações dos imóveis mais facilmente, sem termos de andar de instituição em instituição e que nos permitam fazer um trabalho mais cuidadoso ou mais analítico. O setor foi regulamentado há pouco tempo – só a partir de 2004 / 2006 é que começou a existir uma verdadeira regulamentação do setor. Enquanto este setor evoluiu bastante e se tornou muito mais dinâmico, não vemos estas mesmas competências no setor público. Por essa razão, temos alguma dificuldade em lidar com os tempos das Câmaras Municipais, das Conservatórias, das Finanças, e isso cria-nos algumas dificuldades e por vezes até a perceção do cliente comprador sobre esta dinâmica. No entanto, ficamos contentes que o mercado tenha evoluído. Temos pena que a regulamentação do mercado não tenha acompanhado, em parte, esta evolução e tenha, de alguma forma, permitido que hoje, facilmente, qualquer pessoa seja um mediador imobiliário. Esse não é, por si só, o problema. O problema é depois não ter as competências técnicas para poder operar no setor, valorizando efetivamente o mesmo.
Criou-se a ideia de que a subida abrupta dos preços das habitações, seja para comprar, seja para arrendar, se deve, por um lado, aos investidores – alguns deles estrangeiros – mas também aos imigrantes, que chegam e procuram casa. Mas há também, a juntar a isto, a importância do interior e daquilo que esta região tem para dar, em termos de requalificação de habitações e de infraestruturas que existem ou que se podem desenvolver para promover a região e aumentar as vendas. A seu ver, quais são realmente as razões práticas para esta subida dos preços das habitações? Quais são os grandes desafios com que se confrontam quando se quer vender casas no interior do país?
O que acontece, a meu ver, é que o país sofre de uma falta de planeamento enorme em diversas áreas. O tema da escassez de habitação começou a surgir por causa do problema que existe no litoral. Aliás, se isso fosse
um problema do interior do país, nem se falava nele. Isto efetivamente acontece por falta de planeamento, não só a nível nacional, como a nível europeu. No âmbito nacional, o problema deve-se ao desinvestimento que houve, desde sempre, na área do arrendamento. Nós, portugueses, culturalmente, somos muito compradores. Gostamos de ter a nossa casa. Os povos do Norte da Europa, por outro lado, preferem o arrendamento. Por Portugal ser um país de compradores e não de arrendatários, isso faz com que não exista, no país, grandes medidas ou grandes investidores, na ótica do arrendamento. Começa-se agora a tentar construir alguma coisa, mas há muito tempo que existe falta de coragem política para legislar sobre o mercado de arrendamento. Seria importante definirmos as regras de forma clara, que diferenciem arrendamentos de longa duração dos arrendamentos de curta duração. Os sucessivos governos não tiveram a coragem de criar acordos de longa
duração, para garantir um mercado de arrendamento sustentável. Repare: se é insustentável para um inquilino, hoje, pagar determinadas rendas, também foi insustentável para um senhorio, durante muitos anos, ter rendas
congeladas ou receber determinados valores de renda que quase não dão para a manutenção do edifício. Precisamos de regras claras, que salvaguardem os interesses do inquilino e do proprietário, em simultâneo.
Acredito que devíamos ser ambiciosos nesta matéria e pôr estes temas em cima da mesa, para que o próprio Governo central possa efetivamente tomar medidas relativamente a isto.
“O tema da escassez de habitação começou a surgir por causa
do problema que existe no litoral. Aliás, se isso fosse um problema do interior do país, nem
se falava nele”.
Há muita gente, porém, que não tem capacidade para arrendar uma casa, porque não consegue pagar a renda. Nestes casos, também não conseguem pedir um empréstimo bancário para comprar casa, dado que o Banco não aceita os rendimentos. Para estas pessoas, Tiago, que soluções podem existir? E que considerações tece ao recente pacote de medidas “Mais Habitação”, algumas já alteradas pelo governo de Luís Montenegro, nomeadamente a criação do apoio para aquisição de casa própria permanente para jovens até 35 anos?
Primeiro, todas as pessoas – e isto está na Constituição da República Portuguesa – têm direito a uma habitação e efetivamente isso deve ser respeitado, mas temos de ver como é que o podemos fazer, sem perdas para o inquilino nem para o senhorio. Além disso, o facto de eu ter “direito a uma habitação” não faz com que essa habitação tenha de ser obrigatoriamente em Lisboa ou Porto ou no centro de uma outra cidade. Para isso é que tem de existir, efetivamente, um conjunto de medidas claras, que ajude a resolver estes e outros casos. Há algumas medidas interessantes, feitas pelo Governo, mas faria sentido que estas medidas fossem mais acompanhadas pelos profissionais do setor imobiliário, porque é quem está no terreno e quem conhece a realidade. Uma das medidas com mais potencial é a “Arrendar para Subarrendar”, em que o próprio Estado arrenda o imóvel para depois subarrendar às pessoas por um valor mais em conta. Isso cria confiança no proprietário, porque o Estado é uma pessoa de bem, e permite às pessoas com menores rendimentos conseguir uma casa. Não teve, porém, o sucesso esperado, mas se o Governo conseguir interferir no mercado, através da colocação dos seus imóveis, de tipologias diversas, a preços mais baixos do que os praticados pelos privados,
então o mercado seria influenciado e os preços baixariam. Contudo, também é importante que o mercado consiga ser autorregulável e essa interferência não pode ser abusiva. Além desta hipótese, se o arrendamento
é o desígnio nacional e existem poucos imóveis no mercado, parece-me lógico que os proprietários dos imóveis vejam a sua taxa de contribuição para o IRS reduzida, para incentivar a criação de negócio. O que se tem criado são medidas que procuram fomentar a procura de habitação, mas estamos a esquecer-nos de que não há imóveis no mercado. Após a crise do subprime, parámos de fomentar o crédito bancário para as empresas de construção, os recursos humanos e o seu trabalho ficaram mais caros, bem como os materiais de construção. Se queremos que a construção civil volte em força, teremos também de criar medidas que ajudem o setor e que permitam baixar o preço final de um imóvel, quando chega ao mercado. Além disso, é fundamental atualizar os
PDMs. Os Planos Diretores Municipais estão desatualizados e, em determinadas zonas, seria importante atualizá-los, para permitir que se equilibre a proteção ambiental e do património com o aproveitamento de espaços para construção.
Em Portugal, o interior e o litoral apresentam ofertas desequilibradas, a nível de imóveis, mas simultaneamente o interior tem espaço para crescer e muitos imóveis para reabilitar e tornar comercializáveis. Faltam políticas públicas nesse sentido, cujo objetivo seja levar mais população a viver no interior do país, num momento em que o trabalho já não é, por obrigação, presencial?
Acho que estamos a perder mais uma oportunidade, porque, cada vez mais, temos uma classe política que desconhece o interior e os seus problemas. Não conhece a realidade do seu país. Todas as infraestruturas da administração central estão nas grandes cidades, e no litoral. Acho que devia começar justamente por aí -distribuirmos algumas valências governativas pelo interior faria todo o sentido. Hoje, qualquer lugar que tenha acessos e uma boa rede de internet já permite que as pessoas trabalhem lá. Nós temos muita dificuldade em tomar decisões e a falta de decisões cria inércia no mercado. É isto que tem acontecido com o interior, porque os governantes não o potencializam. Seria interessante fazer aqui alguma discriminação positiva dos mercados,
porque realmente quem vem morar para o interior está mais longe de muitos dos serviços centrais.
Nos próximos cinco anos, teremos alterações significativas do mercado? De que forma?
Acredito que sim, acredito que vamos ter alterações no mercado, sobretudo porque há desafios aos quais é preciso dar resposta. O mercado também está a precisar de estabilizar. O excesso de dinamismo tem criado alterações ao valor dos imóveis e é preciso normalizar estes valores, ajustando-os. Esperemos também que se criem algumas dinâmicas mais interessantes na ótica do mercado de arrendamento.