A Insustentável Leveza da Europa

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Nos últimos anos, o mundo tem enfrentado desafios de magnitude sem precedentes: uma transição digital que
revoluciona todas as esferas da sociedade, a urgência de uma transição verde para mitigar as mudanças climáticas
e os impactos crescentes da inteligência artificial (IA) no trabalho e na vida humana. Paralelamente, o papel da Europa no contexto geopolítico global está em constante transformação, exigindo respostas inovadoras e sustentáveis. Infelizmente a narrativa de que “os Estados Unidos inovam, a China replica e a Europa regula” tem vindo a ganhar tracção no discurso global e em particular nos sectores tecnológicos.

Começou com a publicação do famoso RGPD (para regulação e protecção de dados), passando depois pelo CSRD
(Sustentabilidade) e mais recente com a publicação do Acto de Regulação da Inteligência Artificial na União Europeia. Se é inequívoco que a propriedade na Europa tem sido regular também é igualmente inegável que no
que diz respeito a inovação a Europa continua a investir significativamente menos que os Estados Unidos como ficou claro no recentemente publicado Relatório Draghi sobre o futuro da competitividade na União Europeia.

Nesse seu relatório de aproximadamente 400 páginas, o antigo presidente do Banco Central Europeu e antigo primeiro ministro italiano traça um diagnóstico que, não sendo novo, torna por demais evidente que algo tem que mudar nos próximos anos para que a Europa retome um lugar de destaque na economia mundial. O diagnóstico é complexo e não passa apenas por investir mais, tornar a Europa mais competitiva numa economia digital terá que endereçar aspectos com a dependência energética, o mercado de capitais ou até mesmo a política de imigração. Não vai ser simples, nem rápido, nem barato mas a Europa encontra-se numa posição privilegiada para liderar estas mudanças. Combinando uma sólida base de conhecimento, investimentos em tecnologia e uma abordagem criativa para a resolução de problemas, as organizações europeias podem criar soluções que impulsionem um futuro mais sustentável e equilibrado. Hoje muitos apostam contra a Europa com argumentos de que somos menos trabalhadores, menos ambiciosos e mais adversos ao risco que os Estados Unidos e que o gap tem vindo a
aumentar. O frenesim legislativo que já mencionei tem também o risco de limitar a inovação. Cabe-nos a nós Europeus, provar que estes críticos estão errados.

Uma das razões para estarmos optimistas prende-se com o facto de que a base para qualquer transformação
sustentável está no conhecimento. A Europa possui uma tradição de excelência académica e de pesquisa, que, ao ser aliada à tecnologia, tem o potencial de moldar o futuro global. As organizações que investem em formação contínua e no desenvolvimento de competências digitais estão melhor preparadas para inovar e competir.

É inegável que as universidades de maior prestígio europeu têm-se aproximado das melhores universidades
americanas e até em Portugal temos um claro exemplo disso com o que tem feito a Nova SBE.

Por outro lado a revolução tecnológica já está a redefinir setores inteiros, seja pelo que o IoT possibilita no que diz respeito à indústria 4.0, passando pela adopção de tecnologias como blockchain ou a computação quântica, CEO’s das maiores empresas mundiais dividem-se em dois grupos: por um lado os que têm investido forte na modernização das suas empresas com uma estratégia de negócio que abraça o digital e por outro os que vão em breve deixar de ser CEO’s. Ainda assim é importante alertar que investimento nas áreas digitais ou em novas tecnologias está longe de ser equivalente a sucesso.

Mais do que nunca é crucial garantir que esta transformação seja inclusiva, a qualidade e o foco em gestão da mudança é essencial para empresas, clientes e trabalhadores. Torna-se importante lembrar que qualquer cidade do mundo hoje poderia ter transportes públicos como o Metropolitano ou o Comboio totalmente automatizado mas ainda hoje a maioria das cidades não abraçou esses avanços tecnológicos. A implementação de tecnologia vai sempre ser dependente da vontade dos principais protagonistas de cada área de negócio.

É impossível falar de tecnologia em 2024 sem referir o impacto recente da inteligência artificial e como esta se colocou como um dos principais motores da inovação contemporânea. O impacto recente da IA em áreas como a sustentabilidade, a optimização de processos industriais, a redução do desperdício energético e o combate às alterações climáticas por meio de análises preditivas é progresso real e tudo isto mostra bem como a agenda digital e verde da União Europeia tem que ser vista de uma forma integrada. A redução das emissões de carbono na União Europeia torna-se cada vez menos uma questão de hábitos e consumos (o progresso é demasiado lento) e tem que se focar igualmente em utilizar a tecnologia para resolver os maiores problemas das sociedades actuais. Até porque os países emergentes não vão conseguir parar de aumentar as suas necessidades de consumo, só uma mudança do paradigma tecnológico pode ter um impacto transformador e a Europa tem um papel a desempenhar neste domínio. Igualmente no que concerne a desafios éticos e sociais, a Europa destaca-se pela sua abordagem responsável, com iniciativas como o Ato de IA, que estabelece diretrizes claras para a transparência e a ética no uso dessa tecnologia. Este posicionamento pode tornar-se um diferencial competitivo para organizações que desejam liderar com responsabilidade no cenário global, desde que não se torne um inibidor à inovação, algo que temos de ter mais tempo para avaliar. Uma das áreas mais difíceis de discutir e de endereçar em contexto de grande empresas é a da Inovação e da Criatividade. Todos os gestores querem mais inovação, investem por
vezes milhões em programas como se conseguissem criar uma receita para a inovação. Mas normalmente ou quase sempre sem sucesso. O que é claro é que inovação e criatividade são os elementos que distinguem as organizações mais resilientes e adaptáveis. A Europa tem demonstrado uma capacidade de criar ecossistemas de inovação, desde os hubs tecnológicos de cidades como Berlim e Amesterdão até aos programas de financiamento da União Europeia, como o Horizonte Europa, mas ainda é pouco e como se sugere no relatório Draghi são precisos mais fundos, mais financiamento, não só público mas também oriundo de um mercado de capitais mais activo. Inovar
é falhar muito, é cair muitas vezes. No cenário geopolítico atual, marcado por tensões económicas e crises climáticas, a Europa enfrenta o desafio de consolidar-se como líder global em sustentabilidade. Isso implica não apenas uma transição para fontes de energia renovável, mas também a implementação de políticas que incentivem cadeias de valor éticas e a adoção de práticas comerciais responsáveis.

Devemos ter orgulho e pedir aos nossos líderes europeus que continuem a liderar a agenda mundial neste domínio, os Estados Unidos e a China nunca o irão fazer. Mas isto não pode ser feito às custas da inovação e da agilidade das nossas empresas e de todos nós que trabalhamos no mercado europeu.

Importa não esquecer que a sustentabilidade não se limita ao meio ambiente; ela deve estar no cerne das decisões económicas. As organizações que adotam modelos de negócios circulares ou regenerativos, focados no longo prazo estão melhor preparadas para enfrentar crises futuras. Chega de cinismo e de greenwashing. O futuro da Europa depende de sua capacidade de inovar com responsabilidade e liderar de forma colaborativa. A combinação de conhecimento, tecnologia, inteligência artificial, criatividade e uma abordagem sustentável pode posicionar a Europa como um farol global para a transição digital e verde. A Europa tem a oportunidade de definir um novo paradigma, onde o progresso tecnológico e a sustentabilidade caminham lado a lado. Cabe às organizações, com o suporte de políticas públicas adequadas, transformar esta visão em realidade, garantindo um futuro equilibrado e promissor para as actuais e futuras gerações. O que farão os outros não sabemos. Será que as politicas de imigração e deportação de Trump vão ter impacto de médio e longo prazo na inovação nos Estados Unidos? Até quando é suficiente para a China alavancar-se quase exclusivamente na replicação de propriedade intelectual de outros? Seja qual for o resultado para Estados Unidos e China fica claro que a Europa tem a oportunidade e os ingredientes para tomar um papel de liderança nestas áreas.

Em conclusão, acredito que o futuro da Europa está diretamente ligado à sua capacidade de combinar inovação com responsabilidade. Trabalhando em conjunto, organizações, governos e sociedade civil podem criar um futuro onde sustentabilidade e inovação não sejam apenas metas, mas sim a base de um progresso coletivo e duradouro.