“A Justiça lenta beneficia os infratores”

O advogado Tiago Correia desenvolve a sua atividade particularmente ligado ao Direito Penal e assume que a lentidão da Justiça em Portugal acaba por beneficiar, muitas vezes, o infrator em detrimento da vítima. À Valor Magazine detalha a experiência de ser advogado em prática individual e o impacto que tem na vida dos advogados a ausência de apoios aquando de doença ou incapacidade para trabalhar.

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Quais as principais mais-valias em desenvolver Advocacia em prática isolada?

As principais mais-valias são a independência total, não precisamos de partilhar rendimentos com os honorários de clientes, mais independência financeira, maior autonomia técnica – trabalhamos só para nós e, por força
disso, podemos praticar honorários menores, já que os encargos são bem menores.

E quais os maiores desafios que trabalhar sozinho coloca?

O maior desafio é arranjarmos soluções para os clientes sozinhos, isso obriga um profissional a pesquisar e investigar sozinho e o trabalho é mais valorizado. Existe um maior reconhecimento da parte do cliente, a relação torna-se mais pessoal e direta e tal situação permite arranjar mais clientes.

Segundo a Ordem dos Advogados, a prática isolada é a forma como mais de 85% dos advogados desenvolvem a sua atividade. Considera que faltam apoios, de vária ordem, a quem trabalha sozinho?

Completamente. Se um advogado fica doente, fica sem rendimento, não há baixas pagas pela CPAS. Se um advogado fica incapacitado, fica doente, sem rendimento e perde clientes.

Como caracteriza a Justiça em Portugal, no que diz respeito à lentidão que lhe é sempre associada pela maioria da população?

A lentidão e morosidade da Justiça é muito mal vista pela população, além da Justiça ser bastante cara, para se ter acesso à mesma. Por ser extremamente lenta, não protege as vítimas, que necessitam de uma Justiça célere e eficaz. A Justiça lenta beneficia os infratores, que não deveriam ser beneficiados.

Este é de facto um problema?

A Justiça lenta torna-se um grande problema, sem dúvida. Relembro o caso do BPN, em que o dono do BPN tinha pena de prisão para cumprir e nunca chegou a acontecer.

Penalmente, podemos ter processos que se arrastem em Tribunal, causando dano no bom nome da pessoa em causa quando os processos terminam em arquivamento ou absolvição?

O facto de termos processos que demoram muito tempo a serem resolvidos e que terminam em arquivamento ou absolvição não causa dano, um vez que existe o sentimento na sociedade portuguesa, e na Justiça portuguesa, de que toda a gente é inocente até sentença condenatória transitada em julgado, apesar de a Constituição exigir um julgamento rápido e equitativo, o que nem sempre é possível.

Muitos colegas relatam a falta de meios humanos e técnicos para conseguir operacionalizar o dia a dia em Tribunal e dotar a Justiça de maior rapidez processual. Concorda com esta realidade?

Sim é verdade, parte dos problemas são esses, mais na questão de falta de investimento em novas tecnologias, melhoria do Citius e de outros sistemas informáticos. Não são necessários tantos oficiais de Justiça como hoje em dia existem. Se os sistemas de gravação das audiências fossem evoluídos, os oficiais de Justiça seriam dispensados e haveria um número residual.

Considerando a área em que mais desenvolve atividade – Penal – como classificaria a legislação que existe atualmente e a forma como a mesma é aplicada nos Tribunais?

Infelizmente quem trabalha no processo crime vê uma flagrante e grave falha dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e dos arguidos, condenações à convicção, sem provas, porque o juiz “acha que sim”, ignorando o
princípio in dúbio pro reu, falta de reconhecimento dos juízes e do sistema que avalia os processos, admitindo que erraram, prisões preventivas aplicadas sem critério e depois, em julgamento, para evitarem condenação do Estado Português, preferem condenar sem provas ou condenar aplicando pena suspensa e proteger-se a si próprios.