PHDA: Como identificar e lidar com esta perturbação de neurodesenvolvimento

Marisa Marques é psicóloga clínica e da saúde e, nesta entrevista, explica em detalhe o que caracteriza a Perturbação de Hiperatividade e/ou Défice de Atenção. Alerta para a importância de, socialmente, não se fazerem juízos morais sobre o que crianças, jovens ou adultos possam estar a vivenciar, pois esta é a perturbação do neurodesenvolvimento tida como aquela de maior prevalência entre a população mundial e não é tratável de forma rápida. Os resultados vão sendo obtidos de forma gradual e ao longo do tempo.

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O que é a PHDA e como se pode perceber os sinais indicativos da mesma?

A Perturbação de Hiperatividade e/ou Défice de Atenção (PHDA) é reconhecida como a perturbação do neurodesenvolvimento com prevalência mais elevada quer a nível mundial, quer a nível nacional. No entanto, a sua expressão varia de acordo com os sexos e nas diversas faixas etárias. As pessoas do sexo masculino são mais propensas a diagnósticos caracterizados pela hiperatividade e impulsividade, enquanto que as pessoas do sexo feminino apresentam sintomas relacionados com a desatenção. Tipicamente, a PHDA pode ser apresentada de acordo com uma tríade de sintomas principais: 1)Desatenção; 2) Hiperatividade; e 3) Impulsividade. A Desatenção caracteriza-se por: dificuldade em manter a atenção em diversas atividades; perda a detalhes, erros por descuido; dificuldade em planear, iniciar e organizar tarefas, seguir instruções e terminar trabalhos (escolares, laborais, domésticos, pessoais) ou recordar-se (ex., esquecer compromissos e datas importantes); evitar ou adiar o envolvimento em tarefas que exijam esforço mental sustentado; distrair-se, com pensamentos ou objetos do ambiente, quando outra pessoa fala; frequentemente perde coisas.

A Hiperatividade e a Impulsividade manifestam-se das seguintes formas: sentir-se inquieto ou dificuldade em esperar pela sua vez; correr e subir inapropriadamente; dificuldade em participar e brincar tranquilamente;
mexer ou bater com as mãos, pés, entre outros pequenos movimentos repetitivos; dificuldade em permanecer no lugar por um longo período de tempo; falar excessivamente, interromper as outras pessoas e completar frases.

Apesar de estar frequentemente associado a crianças e jovens, a PHDA pode também afetar adultos – homens e mulheres, embora os sintomas sejam distintos entre homens e mulheres. Com base na sua experiência, como se comportam e lidam com este transtorno indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino?

Como disse anteriormente a forma da PHDA se evidenciar e fazer denotar varia de acordo com os sexos e nas diversas faixas etárias. É importante compreender que a expressividade dos sintomas varia de acordo com a idade:

Bebé: torna-se insaciável, facilmente irritável e é com dificuldade que se consegue acalmá-lo. Tem dificuldades em dormir e na alimentação;

-Primeira infância: Fica irritado, agitado e inquieto. É desobediente e dificilmente fica satisfeito com qualquer coisa;

-Criança: distrai-se muito facilmente, não conseguindo concentrar-se. É muito impulsivo, podendo envolver-se em brigas. Pode ou não surgir hiperatividade;

-Adolescente: Problemas de memória e concentração. Dificuldade em pensar e fazer planos a longo prazo. Inquieto e impulsivo;

-Adulto: Impaciente, inquieto, hiperativo, falta de concentração, distrai-se facilmente, ansioso, etc. Muitos adultos têm dificuldades em manter relacionamentos, uma vez que facilmente perdem o interesse na pessoa com quem se encontram.

Qual a possibilidade de um acompanhamento regular por parte de um psicólogo ajudar quem sofre deste transtorno?

A terapêutica na PHDA depende da gravidade e da persistência dos sintomas. Depois de um diagnóstico através da informação clínica recolhida nos diversos contactos onde a criança / adolescente ou adulto se encontra e da
avaliação neuropsicológica, procedemos ao aconselhamento acerca da intervenção e medicação, quando necessária. Alerto que, sempre que a criança tenha menos de seis anos e se suspeite de PHDA, deverá ser sempre iniciado o treino parental e a intervenção psicológica / neuropsicológica por um psicólogo/neuropsicólogo. Somente se a resposta for insatisfatória é que deverá juntamente da Neuropediatria / Pediatria do Desenvolvimento analisar a possibilidade e benefício da farmacologia. Todas as intervenções psicoterapêuticas como farmacológicas são individualizadas, pelo que devem ser revistas e avaliadas com regularidade. Mas há que ter presente que a PHDA se trata de uma patologia crónica, sem métodos rápidos para eliminar a sintomatologia, mas sim temos grandes melhorias ao longo do tempo. É um processo gradual e não imediato. Existem diversas
modalidades na intervenção para a PHDA: psicofarmacológica, intervenção terapêutica e psicossocial. No entanto, é a terapia cognitivo-comportamental o modelo terapêutico mais utilizado na intervenção com crianças, jovens e adultos, com o intuito da mudança de cognições e adaptação de comportamentos. Paralelamente, e quando considerado pertinente, outras intervenções podem ser consideradas no âmbito do trabalho psicológico, tais como as intervenções no âmbito escolar, familiar, treinos cognitivos. No entanto, nos últimos anos têm sido desenvolvidas novas abordagens terapêuticas complementares à intervenção farmacológica e a terapia cognitivo-comportamental, tais como a neuromodulação com recurso quer à Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua e o Neurofeedback, onde, apesar de ainda não ser definitiva a comprovação da eficácia, já são milhares os estudos científicos internacionais que têm vindo a ganhar suporte empírico, comprovando a eficácia clinicamente, havendo outros tantos a decorrer para validação dos estudos anteriores.

Que impacto este transtorno pode ter no dia a dia das crianças, dos jovens e dos adultos que sofrem deste transtorno?

É muito frustrante, para quem lida todos os dias com uma criança, jovem e adulto e as suas famílias, ver e ouvir afirmações absurdas e desrespeitosas, proferidas por quem tem pouca ou, mesmo, nenhuma experiência e vivência com a patologia. À semelhança das outras psicopatologias a Hiperatividade e Défice de Atenção acarreta muitas limitações e implicações desfavoráveis ao quotidiano ou objetivos de vida da pessoa. Pelo que a avaliação
psicológica e neuropsicológica, quer na infância, adolescência e idade adulta são condições essenciais para uma compreensão completa destas disfuncionalidades. E aqui sinto necessidade de reforçar que tenham em atenção
o juízo moral, pois os comportamentos típicos destas crianças / adolescentes ou adultos escondem por detrás as suas vulnerabilidades que carecem de intervenção. E isto não se trata de desculpar ou facilitar a vida destes, mas sim de respeito pelas suas necessidades e de dar apoio, para que elas possam reconhecer e aceitar o que necessitam dos processos de intervenção.

Como podem as escolas e mesmo as empresas estabelecer formas de lidar com pessoas que sofrem de PHDA, integrando-as, simultaneamente, nas suas atividades e rotinas?

Seja qual for a orientação terapêutica, é imprescindível que a intervenção psicossocial (mesmo que ela seja muitas vezes inexistente) seja feita em três vertentes: individual, familiar e social (escolar ou profissional). Uma vez que a escola é o local onde as crianças passam maior parte dos seus dias, pelo que é facilmente um contexto onde surgem graves dificuldades de integração, de aprendizagem e de comportamentos. Neste sentido, o trabalho direto entre nós e a escola / professores é de extrema importância, no sentido de serem transmitidas as informações sobre diagnóstico, estratégias de intervenção e, sobretudo, sensibilizar para a promoção da inclusão. Assim espera-se uma trabalho em equipa através de: envio de estratégias e relatórios individualizados (cada caso é um caso!), contactos telefónicos, reuniões com professores e educadores e ações de sensibilização para com os pares. Além de que temos de ter consciência que grande parte das crianças com PHDA apresentam algumas dificuldades de aprendizagem e comorbilidades de perturbações do neurodesenvolvimento como a Disgrafia, Dislexia, Discalculia, Perturbação da Linguagem. Neste sentido, as escolas devem proporcionar e ativar as condições especiais de aprendizagem através do Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho. Este decreto confere condições especiais de ensino e avaliação de acordo com a necessidade de cada caso.