Que evolução teve a AGROS, ao longo destes 75 anos e como conseguiu, sempre, manter-se na frente do progresso deste setor agrícola?
Apesar das inúmeras batalhas, desafios e dificuldades, a AGROS conseguiu, através de todos os elementos dos órgãos sociais atuais e do passado, destacar-se não só como um pilar no setor leiteiro em Portugal, mas também como uma instituição respeitada a nível de todo o setor agroalimentar em Portugal. Acompanhando a evolução dos tempos, a Agros percebeu o seu papel e projetou o seu futuro juntamente com a Proleite e a Lacticoop na criação da Lactogal, aquela que é hoje a maior empresa de lácteos na Península Ibérica, aumentando a relevância tanto na valorização da matéria-prima, quanto no exercício da sua influência na defesa dos interesses dos agricultores e das cooperativas agrícolas, enquanto suporte destes, caminhando no sentido da modernização do setor e da sociedade envolvente.
Como avalia a qualidade do leite que é produzido em Portugal?
O leite português e os produtores de leite em Portugal são no mínimo iguais aos melhores do mundo. A produção é feita com qualidade, é sustentável, fixa pessoas nas zonas rurais, promovendo a sustentabilidade do território. A alta qualidade do nosso leite é fruto de um trabalho contínuo e rigoroso dos nossos produtores e técnicos. Existe um acompanhamento diário nas explorações, promovendo boas práticas de produção, dando as melhores condições aos animais, quer ao nível da alimentação, de higiene, de conforto e sanitárias, traduzindo-se naturalmente em maior e melhor qualidade do leite. Conseguimos aferir a qualidade do leite analisando diariamente, em Laboratório Acreditado e Independente. Quando bebemos um copo de leite, é mais do que um super alimento que estamos a falar, é Gente, Vida e Território.
Quão importante foi a introdução de tecnologia de vanguarda no setor, para que este conseguisse continuar a laborar e a responder às necessidades do mercado?
Durante muitos anos o setor agrícola foi olhado com algum desdém por parte da restante sociedade, hoje o setor é um setor moderno, tecnológico, onde a agricultura de precisão é uma realidade. Os produtores sabem que quanto mais sustentáveis forem ambientalmente, mais eficientes serão do ponto de vista financeiro. No entanto, serão necessários mecanismos financeiros que alavanquem e tornem possíveis os investimentos que têm de ser feitos nas explorações.
O setor do leite é, desde há muitos anos, atingido por algumas dificuldades económicas e são conhecidos, inclusivamente, alguns protestos públicos sobre as dificuldades dos produtores de leite. Como caracteriza a realidade atual do setor?
Atualmente, o setor do leite enfrenta novos desafios, que vão do aumento sem precedentes do custo dos
fatores de produção, dos combustíveis, da concorrência internacional à volatilidade nos preços, passando pelo envelhecimento dos produtores. É fundamental que se crie legislação que traga mais equidade e transparência para todos os elos da cadeia produtiva, onde a valorização do produto seja uma realidade. Temos de trabalhar a
sustentabilidade do setor nos seus três pilares: sustentabilidade ambiental, social e económica.
Portugal compete, desde que entrou para a União Europeia, com outros países no que respeita à produção agrícola e o leite não é exceção. Como é possível ao país manter-se competitivo? É necessário mudar políticas europeias para que tal aconteça?
A agricultura europeia vive um momento agitado, no âmbito de um quadro legislativo demasiado “esverdeado” onde colocaram os agricultores europeus num espartilho de regras que na prática contribuiu para um agravamento da nossa balança comercial. O setor leiteiro não está imune a este movimento, sendo que faz sentido apresentar um conjunto de propostas visando a melhoria dos indicadores de sustentabilidade da atividade de produção de leite em Portugal, com o objetivo último de garantir a competitividade do rendimento dos produtores de leite.
A AGROS sempre promoveu a importância do leite e do respetivo consumo, sobretudo por parte das crianças. A provar isso estão as diversas ações e campanha de sensibilização para o consumo de leite. No entanto, as alternativas ao leite, como as bebidas vegetais, têm-se feito cada vez mais presentes no dia a dia das famílias. Que impacto têm os novos hábitos alimentares no consumo de leite nacional?
No que respeita ao leite, há alterações dos padrões de consumo que determinam uma maior concorrência em matéria das bebidas. De realçar que não se tratam de alternativas ao leite, mas sim de concorrentes em matéria de momento de consumo e que se tentam equipar ao leite, mas cujas características nutricionais e organoléticas em nada se equivalem. De sublinhar que todas as denominações lácteas estão protegidas pela legislação comunitária e apenas podem ser utilizadas pelos legítimos produtos lácteos, como sejam o leite, o queijo, o iogurte, a manteiga… A razão desta exclusividade prende-se com o perfil nutricional único do leite, o qual não pode ser desvirtuado por qualquer outro alimento dito alternativo, defraudando assim as legitimas expectativas do consumidor.
Não podemos ignorar que nos últimos anos registou-se uma campanha de desinformação em relação do leite, contudo convém realçar que o leite e os seus derivados continuam a fazer parte da roda dos alimentos da nossa dieta mediterrânica, que aliás, é património imaterial da UNESCO.
Cada vez mais, surgem também dificuldades alimentares – como as intolerâncias e alergias – que levam a que muitas crianças se vejam impossibilitadas de consumir leite e seus derivados. Que impacto isso traz, também, para o mercado e, simultaneamente, que alternativas se podem encontrar?
O setor está muito alerta para este fenómeno e tem desde há vários anos um portefólio de produtos que permitem o consumo de lácteos por toda a população. O caso da lactose é paradigmático pois a proporção da população com intolerância é reduzida, mas como a matéria está altamente difundida na sociedade os
consumidores têm à sua disposição um vasto leque de produtos, desde leite até iogurtes, isentos de lactose, permitindo assim um consumo mais cómodo.
De novo, é importante frisar que existe bastante desinformação, a qual é particularmente grave nas crianças, as quais se veem privadas do consumo de um alimento altamente nutritivo e importante para o crescimento em
consequência de crenças, medos e falta de informação por parte dos seus cuidadores.
Enquanto dirigente de uma das principais uniões de cooperativas e ainda de cerca de 800 produtores de leite, como definiria a forma como a AGROS se deve posicionar no mercado, de forma a garantir o melhor resultado possível para o trabalho destes produtores de leite e das respetivas cooperativas, bem como, simultaneamente, assegurar a posição da AGROS como “Embaixadora da Agricultura nacional”?
Falar da AGROS é falar do setor agroalimentar, um setor que tanto contribuiu e contribui para o país, e que tão poucas vezes é reconhecido. A AGROS, pela sua dimensão, representatividade e história, deverá continuar a posicionar-se como uma referência da agricultura nacional na complexidade e volatilidade do mundo em que
vivemos hoje, sendo imprescindível que se fortaleça como canal de comunicação com as entidades oficiais no sentido de podermos desenvolver uma atividade económica de forma sustentável, em toda a cadeia, e que contribua para uma real e vital soberania alimentar. É importante sublinhar que vivemos nos últimos anos uma pandemia mundial, estamos com uma guerra às portas da Europa, e isso não é normal! Nesse sentido, temas como a soberania e segurança alimentar deveriam estar na linha da frente, para assumir de uma vez por todas o setor agroalimentar como um verdadeiro desígnio nacional.
