O que se entende verdadeiramente por “superior interesse da criança”?
O superior interesse da criança é um conceito indeterminado, que significa, resumidamente, que devem ser priorizados os interesses e direitos das crianças acima de quaisquer outros, nomeadamente dos pais.
Poderá parecer algo simples de alcançar, mas na prática não é. Em situações de conflito parental, por exemplo, os pais, que rapidamente alegariam dar a vida pelos filhos. são os mesmos que transmitem aos filhos, direta ou indiretamente, a imagem negativa, e por vezes retorcida, que têm do outro progenitor, desconsiderando os danos psicológicos que com isso são produzidos na criança. Os pais em conflito precisam de ajuda e precisam de perceber que as suas razões de queixa, ainda que válidas e reais, são suas, de pai ou de mãe ferido/a, angustiado/a, preocupado/a, não são da criança.
As crianças não precisam de saber. Não se devem envolver nos assuntos dos adultos e nem tomar partidos. Isto é fundamental para o crescimento saudável de qualquer criança.
Este conceito é algo comprovável? Quais os desafios que um advogado enfrenta quando tenta trabalhar num quadro legal onde o “superior interesse da criança” é o fio condutor?
A salvaguarda do superior interesse da criança é algo que se deve almejar alcançar todos os dias, no dia a dia. Se eu aceito que a minha criança faça uma birra e sou compreensiva, porque faz parte do seu crescimento; se eu mostro felicidade quando o meu filho vem do fim de semana com o pai/mãe e me conta a atividade fantástica que fez com ele/ela – apesar de eu estar furiosa/o, porque a pensão de alimentos está em atraso – estou a priorizar a felicidade sentimental do meu filho, ou seja, o seu superior interesse. As pessoas por vezes confundem o seu interesse com o dos filhos e esse é o grande desafio.
“As pessoas por vezes confundem o seu interesse com o dos filhos e esse é o grande desafio”.
A opinião da criança é, também, um aspeto muito importante da legislação sobre Direito da Família e Menores atual. Em que momentos é importante ouvir a opinião da criança e até que ponto ela pode ser valorada e importante para a tomada de decisão final?
A criança deve sempre ser ouvida. Desde logo em casa. Isso não significa necessariamente fazer tudo o que ela quer. Significa escutar e compreender. E compreender que a cabeça de uma criança, a sua forma de pensar, os
seus interesses e quereres não são, obviamente, iguais aos dos adultos. É uma criança, não é um adulto. Nos processos que a envolvem, a criança também deve ser ouvida, mas isso não significa envolvê-la na divergência,
impeli-la a dizer com quem estar e muito menos decidir. Ouvir é apenas escutar o que tem a dizer, caso queira dizer algo. Nunca são as crianças que decidem o que quer que seja e nem devem sequer sentir que têm esse peso ou responsabilidade.
Na nossa última entrevista, disse a seguinte frase: “Um advogado que vai para um tribunal de família com o mesmo espírito e atitude como se fosse para um processo-crime é tão mau como ter um nadador-salvador que não sabe nadar”. Para se exercer Direito da Família, deve ter-se características particulares?
É fundamental perceber que a jurisdição de família tem características muito próprias e distintas de todas as outras. O que se defende nesta jurisdição são precisamente os interesses de crianças e das famílias, logo é preciso
ter noção que as pessoas continuarão a ter de lidar uma com a outra e, nomeadamente, a decidir a vida dos filhos quando saírem a porta do tribunal. Se o advogado aumentar ainda mais os níveis de conflitos destas pessoas, ao invés de ajudar a resolvê-los, obviamente está a prestar um mau serviço.
O escritório Claudete Teixeira Advogados tem-se dedicado também à prática do Direito da Família e das sucessões? É uma área do Direito com muita procura por parte dos cidadãos?
Sim, é. A nossa realidade social mostra que as relações entre as pessoas são tendencialmente mais efémeras, mas não deixam de existir. Ou seja, as pessoas continuam a casar, mas já não ficam casadas a vida toda, ou não casam, mas vivem em união de facto. Continuam a ter filhos estando ou não num relacionamento estável e continuam a comprar casas e bens em conjunto. Significa isto que todas estas situações têm de ser tratadas e resolvidas quando existe a rutura e, nos nossos dias, isso acontece muitas vezes.
Segundo números da APAV, quase 60 crianças foram vítimas de crimes, por semana, no ano passado. O número total de crianças agredidas de alguma forma, em 2023, subiu face a 2022. O que é necessário fazer, a nível de aplicação da lei infraestruturalmente, para garantir que casos de crimes contra crianças conheçam um decréscimo significativo? O que pode dissuadir estes comportamentos?
São situações muito graves, especialmente se pensarmos que a maioria destas agressões acontece dentro da família e/ou pela mão dos próprios pais. É preciso tratar os pais. É preciso agir na prevenção. Na sinalização mais eficaz das situações de risco. Ainda há muitas situações em que as escolas, a família, os vizinhos não denunciam as
situações de risco. Por outro lado, muitas vezes, mesmo que se tenha conhecimento das mesmas, há poucos meios para se agir preventivamente junto da família. Muitas situações poderiam ser evitadas se a família tivesse acompanhamento médico e/ou psicológico e formações ao nível das competências parentais.
“A opinião que o filho tem do pai/mãe deve ser construída por ele próprio, ao longo do tempo, sem a influência da opinião de terceiros”.
Que caminho tem feito Portugal no que respeita à proteção dos direitos dos menores?
A legislação nós temos. Faltam meios físicos e humanos em todos os segmentos para a fazer cumprir, seja nas CPCJ, na Segurança Social, junto das associações, das instituições de acolhimento e dos tribunais e falta uma resposta muito forte na promoção das famílias de acolhimento e no apadrinhamento civil.