Há quantos anos é advogado em prática individual? Que análise faz deste seu percurso?
Com 23 anos de experiência como advogado sempre em prática isolada, sempre enfrentei inúmeros desafios e procurei alcançar muitos objetivos. A minha carreira foi construída do nada. Após o final do estágio, procurei de
imediato um espaço para continuar o meu percurso profissional. Comecei por pedir dinheiro emprestado, para conseguir montar e manter o escritório. Depois disso e de, pelo menos, três mudanças de local, hoje exploro dois
espaços de escritórios. Decorridos todos estes anos, recordo o meu percurso como sendo difícil, árduo, muitas vezes com francas dificuldades na gestão da vida pessoal, familiar e profissional, uma carreira construída com altos e baixos, sucessos, derrotas, fraquezas e coragens, mas ao mesmo tempo muito recompensadora.
Como caracteriza a prática individual da Advocacia? O que a distingue da opção da prática coletiva, em sociedades de advogados?
A prática individual da Advocacia permite-nos ter maior autonomia e liberdade na gestão das carreiras. Temos um maior controlo sobre a escolha de casos, primamos por um relacionamento mais personalizado com as pessoas, uma maior liberdade para explorar diferentes áreas do Direito e desenvolver soluções jurídicas inovadoras. Na prática individual, o foco principal são as pessoas, na societária o foco principal é o lucro, a
faturação.
Quais as maiores dificuldades sentidas enquanto profissional de prática individual?
Sou responsável por todas as áreas que envolvem a carreira, desde a gestão de casos, contabilidade, preparação de peças processuais, atendimento de clientes e seu acompanhamento e apoio em tribunal e conformidade
regulatória com a minha Ordem Profissional. Por outro lado, a falta de colegas de trabalho imediatos pode levar a uma sensação de isolamento, pois não temos com quem possamos discutir casos. Quanto à gestão do tempo e do trabalho, temos de equilibrar a gestão de múltiplos casos, prazos e clientes. A responsabilidade ética profissional é ampliada na prática individual, pois o advogado é o único responsável por todas as decisões
tomadas.
Acredita que os advogados, particularmente os colegas em prática individual, têm visto os seus direitos acautelados, sobretudo em casos de doenças graves, que incapacitam o seu trabalho?
Os advogados enfrentam desafios únicos em relação à sua saúde e doenças graves. Muitos colegas são relutantes em discutir questões de saúde mental, com receio de perda de clientes e, consequentemente, perda de rendimento. A Advocacia é uma profissão sujeita a uma forte pressão, com longas horas de trabalho, prazos apertados, o que pode conduzir a problemas como ansiedade, depressão e mesmo suicídio. Basta pensar nas
dificuldades dos advogados em prática individual em terem acesso a cuidados de saúde de qualidade devido aos horários de trabalho irregulares e falta de benefícios de saúde corporativos. Para mitigar essas dificuldades, é importante que haja um apoio contínuo da nossa Ordem Profissional e outras entidades, bem como a disponibilização de mais recursos, adequados para a saúde e bem-estar dos advogados.
Porque é que a prática individual é, segundo a Ordem dos Advogados, motivo de maior preocupação, devido às maiores oscilações de faturação?
Os advogados que exercem a sua profissão suportam sozinhos todos os custos com a mesma, por exemplo com a renda do espaço do escritório, equipamentos e software, conformidade regulatória com a Ordem Profissional (quotas, caixa de previdência). Por outro lado, em comparação com as sociedades de advogados, os advogados em prática isolada têm menos acessos a recursos profissionais, como a formação contínua e informação jurídica atualizada, podendo afetar a qualidade e eficiência do serviço prestado. A prática isolada pode conduzir a rendimentos instáveis, com períodos de alta faturação seguidos por outros de pouca ou nenhuma receita, prejudicando qualquer planeamento da carreira a médio e/ou a longo prazo e mais desafios na construção de uma rede de contactos profissionais e uma carteira sólida de clientes.
O que deveria ser alterado com vista a assegurar mais direitos e garantias aos advogados em prática individual?
Será essencial fortalecer o apoio institucional da Ordem Profissional, assim como de associações que garantam que todos os advogados em prática individual tenham uma verdadeira representação e voz ativa nas decisões
que afetam a profissão. Também é essencial promovera formação contínua, diversificada e especializada, para que os advogados se mantenham atualizados sobre as mudanças legislativas e as melhores práticas jurídicas.
Assegurar a inviolabilidade do escritório e dos meios de comunicação com os clientes, protegendo de forma irrestrita o sigilo profissional e as informações sensíveis é outra das garantias a reforçar, bem como facilitar o
acesso a recursos jurídicos, bibliotecas e bases de dados, para que os advogados possam realizar pesquisas mais aprofundadas e fundamentar melhor as suas peças processuais. Criar um sistema de assistência jurídica pela Ordem dos Advogados que apoie os advogados em prática individual em casos de litígios contra eles, especialmente em situações de difamação, ofensas à integridade física ou ataques à sua integridade profissional. Por seu turno, abordar a questão da massificação na Advocacia, estabelecendo critérios mais rigorosos de acesso à profissão.