Está na altura de parar, olhar para o que muito certamente vai surgir a uma grande percentagem da nossa população após a Covid-19: a doença mental nas crianças, nos adolescentes, nos adultos e nos idosos.
Um estudo recente realizado pela American Psychiatric Association mostra que a Covid-19 está a afetar seriamente a saúde mental americana. Em Portugal, a realidade também é assustadora nos diferentes domínios: pessoal, familiar, social, relacional… Os dados mais recentes dizem-nos que os pais em teletrabalho acusam cansaço, perda de apetite, obsessão por limpeza, dores constantes no peito, noites mal dormidas, preocupação constante em estar informado sobre a pandemia, entre outras.
Somos e vivemos do resultado da genética, da família, da cultura e do mundo que nos rodeia. Todos sabemos, ou deveríamos saber que, inevitavelmente, o mundo está a mudar. Associado a esta diferença de tudo o que era e agora já não é, quase que nos é imposta a célebre frase “Vai ficar tudo bem!”. Parece que não podemos pensar no medo, no desespero, na angústia, na incerteza. Mas a realidade é que todos nós precisamos de processar emocionalmente o que estamos a viver. E o que vivemos é, naturalmente, o medo do desconhecido. Encontrar um espaço de aceitação e expressão emocional é imprescindível para a promoção da saúde mental.

Aconteceu exatamente neste momento, totalmente de surpresa e de forma inesperada, impedindo os nossos planos e muitas outras coisas nas quais acreditávamos que pudéssemos confiar: de repente surge uma situação nova. O que acontece exatamente neste momento exige e permite-nos uma mudança. De repente abre-se um outro horizonte ou uma porta fecha-se para sempre. Ou seja, “exatamente neste momento” significa agora mesmo. O que acaba de acontecer está presente, totalmente presente. Podemos reagir imediatamente e devemos fazê-lo. Exatamente neste momento o passado acabou e exatamente neste momento começa o futuro. Isto traz-me à memoria o último livro que li de Miguel Sousa Tavares “No passado e no futuro estamos todos mortos”.
Vejo esta mudança como uma recolocação nas nossas vidas. Recolocar significa também que reorganizamos algo dentro de nós, adaptamo-nos a algo diferente. Por exemplo, a novos desafios, a outros objetivos, a tomar uma nova direção, satisfazendo melhor as nossas necessidades.
Como conseguimos uma recolocação assim? Através de uma compreensão nova, criativa, que terá êxito através da nossa coragem em segui-la, mesmo contra grandes resistências internas e externas, intrínsecas ou extrínsecas.
Na minha prática como psicóloga clínica e da Saúde, em contexto de consultório, depressa observei que necessitaria de outras valências, multidisciplinares, como a Psicologia da Infância e Adolescência, com a Dra. Ana Rita Fernandes, e a Psiquiatria, com o Dr. Ricardo Teixeira Ribeiro para uma melhor compreensão e interação com os utentes e as suas famílias. Desta forma, através da nossa prática clínica, e associado a esta fase, denotamos um aumento da probabilidade de as pessoas desenvolverem Perturbação Obsessiva Compulsiva, bem como Fobia Social. Isto porque é um período de maior vulnerabilidade e, se a intervenção não for direcionada e ajustada às necessidades de cada pessoa, estas e outras doenças poderão desenvolver-se de forma gradual.

Assim, a Psicologia e a Psiquiatria devem andar de mãos dadas no desenvolvimento de estratégias de atuação em Portugal e no mundo. É primordial reforçar o Sistema Nacional de Saúde com psicólogos e psiquiatras, com as diferentes especializações da infância e adolescência, adultos, idosos. É igualmente importante tornar a consultaacessível e viável para todos.
É um momento dos especialistas das diferentes áreas da Psicologia, Psiquiatria e até da Sociologia repensarem, estudarem, analisarem e discutirem o impacto desta pandemia na Saúde Mental e elaborarem uma linha orientadora de intervenção da mesma. Esta linha deverá ser, preferencialmente, de atuação preventiva e não remediativa. Mas terá de ser, obrigatoriamente, diferente do trabalho realizado até ao início da pandemia. Pois, como referíamos no início do nosso texto: o mundo está a mudar.
A nossa sugestão para se fazer diferente assenta nas diferentes estratégias:
a) reforçar os clínicos de intervenção psicológica e torná-los acessíveis a todos, como por exemplo psicólogos, psiquiatras, médicos de família;
b) falar, falar e falar (da mesma forma que ouvimos testar, testar e testar) da importância de aceitar o medo, de libertar as emoções negativas, de perceber que estes sintomas e todos os outros (irritabilidade, ansiedade, fadiga, impulsividade, cefaleias, dores no peito, desconcentração constante, desmotivação) são uma resposta ao que estamos a sentir e a viver;
c) criar equipas especializadas e direcionadas para o combate à violência;
d) desenvolver equipas especializadas para estar e orientar os idosos, de forma a que a solidão não os preencha e que cometam o suicídio;
e) desenvolver programas que potenciem o desenvolvimento da empatia nas crianças e nos adultos, pois consideramos que é, talvez, o mecanismo mais importante para nos protegermos e, por conseguinte, protegermos a saúde mental e física de todos nós: a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro.
Enquanto membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), gostaria de acrescentar a importância da mesma na divulgação de informação gratuita, atualizada e fidedigna no site da OPP, bem como na Direção-Geral da Saúde. Diariamente são divulgadas novas estratégias para as diferentes faixas etárias, de forma a que quase toda a população tenha acesso. Mais acrescento que a mesma disponibilizou um curso gratuito para que todos os psicólogos pudessem conhecer as vantagens e desvantagens do acompanhamento por videochamada.
Por fim, queria solicitar-vos para conjugarem o medo e a esperança em fazer diferente para sim, TUDO CORRER MELHOR.