“A falta de meios atrasa os processos que envolvem crianças”

As crianças têm um espaço próprio no Direito e têm legislação que se aplica às variadas situações em que se podem ver envolvidas judicialmente. Na maioria das vezes, são os processos judiciais que envolvem os próprios progenitores que estão em causa, nomeadamente no que respeita à regulação das responsabilidades parentais e ao processo de divórcio. Iolanda Canelas Bastos, advogada que desenvolve a sua atividade também na área do Direito da Família e Crianças, reconhece que estes processos deviam, todos, ser considerados urgentes e tratados como tal, mas não deixa de entender que a falta de recursos humanos e técnicos pode comprometer este desígnio.

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Quais os aspetos centrais da legislação do Direito da Criança, no que respeita à regulação das responsabilidades parentais e ao processo de divórcio, que lhe parecem particularmente pensados para a proteção da criança?

O direito da criança a ser ouvida (art. 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível) é um aspeto importante, pois é possível perceber o que a criança pensa e sente perante a vivência a que está exposta, e determinar
assim qual a decisão que melhor acautela o seu superior interesse. O legislador determinou, aliás, que a
participação da criança e a sua audição, desde que tenha capacidade de compreensão dos assuntos em causa, é um dos princípios orientadores. Por outro lado, as medidas de promoção dos direitos e proteção da criança ou jovem são outro dos aspetos centrais: acontece estes processos serem abertos quando a regulação, ou uma
alteração àquela, se encontram a decorrer, quando seja percetível de que primeiro é necessário proteger e
posteriormente regular ou alterar o regime.

Há também a considerar o cada vez maior número de casos que têm vindo a público relacionados com a alienação parental. Como se lida, judicialmente, com esta questão? Como pode a criança ser protegida de uma situação assim?

A alienação parental é, infelizmente, um problema muito atual. Trata-se de um conjunto de comportamentos do progenitor com quem, normalmente, a criança reside, e que visa afastar o outro progenitor dos convívios e
participação ativa na vida do(a) filho(a). Judicialmente, pode existir a dificuldade da prova de tais comportamentos, a menos que o progenitor consiga demonstrar que o outro vai “sabotando” constantemente o regime de visitas. Parece-me que, nestas situações, a justiça não pode ser branda, e existindo a mera suspeita de tal, deve ser iniciado um processo de promoção e proteção, com um acompanhamento próximo pelas equipas
de apoio, só assim se conseguindo proteger a criança e desincentivar a continuidade daquele comportamento. No limite, e sabendo que a alienação pode ter um efeito catastrófico na relação parental, deve ser ponderada a alteração do regime das responsabilidades parentais, inclusive quanto à residência da criança com o outro progenitor.

Enquanto advogada, considera que a lei é seguida de forma clara nos Tribunais, nomeadamente no que se aplica à audição de crianças para memória futura e à existência de técnicos e equipamentos adequados à audição de um menor em qualquer tribunal nacional?

Enquanto advogada, presencio o esforço dos Tribunais para que os processos onde se discuta o superior interesse das crianças sejam tratados no cumprimento estrito da lei. Contudo, ainda há muitos aspetos a melhorar, como a necessidade de formação e acompanhamento técnico na área da Psicologia. Parece-me crucial que a Psicologia
esteja de mãos dadas com a jurisdição das crianças.

Que desafios enfrenta a Justiça nacional e o que seria fundamental alterar, de forma a torná-la mais célere e eficaz no julgamento dos processos e na tomada de decisões?

A Justiça nacional enfrenta atualmente uma escassez de meios que leva à demora dos processos relacionados com as crianças. Parece-me que, apesar do disposto no art. 13.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível indicar que os processos cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da criança, correm em férias judiciais, poucos são aqueles que não causam, pelo menos pelo conflito que subjaz entre os progenitores. Assim, considerar que os processos neste âmbito teriam sempre caráter urgente seria um passo importante na legislação sobre os Direitos das Crianças.

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