“O novo incentivo fiscal destina-se a muito poucas pessoas”

O regime dos residentes não habituais sofreu alterações, enquadradas neste Orçamento de 2024. Este ano vive-se um período de transição deste regime para a sua nova versão, que deixa de fora muitas pessoas que poderiam, no modelo anterior, beneficiar deste regime fiscal. O advogado e especialista em Direito Europeu João Mota Campos, Sócio da PMCM Advogados, explica detalhadamente o impacto desta mudança.

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Como se caracteriza este período de transição do regime fiscal de RNH? Quem estava a meio do processo de imigração e era elegível para este regime fiscal, ainda pode ser abrangido?

Como todos os regimes de transição, o do fim do regime do RNH implica a aplicação simultânea de mais do que um regime legal. Quem já tinha direitos adquiridos ao abrigo do RNH mantém-nos até terminar o período de 10 anos; quem se tornou residente fiscal no ano de 2023 pode solicitar a aplicação do regime (note-se que nos
termos do antigo nº 10 do artº 16º do CIRS, a solicitação da inscrição como RNH podia ocorrer até 31 de março do ano seguinte àquele em que se tornasse residente fiscal em território português). Desta forma, quem se tornou residente de acordo com os critérios do nº 1 do artigo 16º do CIRS, poderia ainda ter solicitado até 31 de março de 2024 a aplicação do regime. Agora, já não.

Como se caracteriza o novo modelo deste regime fiscal e que cidadãos abrange?

Foi criado um incentivo fiscal para investigação científica e inovação, aplicável apenas a contribuintes que se tornem residentes em Portugal e obtenham rendimentos de trabalho e atividades específicas. Este regime, pela
particularidade da sua aplicação, destina-se a muito poucas pessoas. Há também exceções em relação a pessoas que estavam em processo de mudança para Portugal, que terão de ser analisadas caso a caso.

Esta alteração legislativa prejudica, no seu entender, a atratividade do país?

Sim e não. Por um lado, o regime atraía muitos profissionais liberais, sobretudo com rendimentos de fonte estrangeira e permitia aos expatriados das empresas multinacionais dispor de um regime fiscal muito favorável, mas não único: outros países da União Europeia têm regimes parecidos. Por outro lado, o regime dava a Portugal uma aura de «farwest» fiscal que não é boa para a imagem do país e levou até vários Estados europeus a ameaçar com a denúncia dos acordos bilaterais sobre dupla tributação. Globalmente, para um país como Portugal, desesperadamente à procura de profissionais de perfil muito elevado e de investimento estrangeiro, o fim do regime soa como uma espécie de toque de finados do ambiente de cosmopolitismo que se viveu em Portugal desde 2014, e de que o fim quase total dos «vistos gold» foi outro sinal. Se isso é bom ou mau, só o
tempo o dirá.

Que impacto esta alteração traz no que respeita à fixação de mais população, mais bem remunerada e jovem, no país, bem como à própria receita fiscal do Estado?

Não me parece que possa ter grande impacto. Muito maior impacto têm os vistos para os chamados “nómadas digitais» que permitem a um estrangeiro (extra UE) viver e trabalhar em Portugal durante um determinado período de tempo, normalmente inferior aos seis meses necessários para poder ser considerado residente fiscal. O que é certo é que em relação aos residentes de média ou longa duração, o regime fiscal se tornou menos atrativo e até, em vários casos, penalizador.

Com a alteração do regime e o processo de transição de que o mesmo foi alvo, poderemos, mais à frente, encontrar casos de contencioso tendo por base o entendimento de um cidadão de que deveria ficar abrangido pelo regime fiscal dos RNH na sua primeira formulação e verificar, posteriormente à decisão de mudança para Portugal, que assim não aconteceu?

Sim, podemos encontrar casos e provavelmente teremos alguns. Há aqui dois fatores em jogo: o primeiro é que os possíveis prejudicados são na sua maioria pessoas com vidas muito nómadas e que, perante esse tipo de problemas, preferem encontrar outro porto de abrigo; o segundo fator é que, da forma que funciona a justiça tributária em Portugal, e perante a incerteza, não sei se seria muito aconselhável ir para tribunal e esperar anos por uma decisão. Tudo depende dos valores em jogo.

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